TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

269 acórdão n.º 297/15 Assente neste pressuposto interpretativo, a censura constitucional da decisão do tribunal a quo recaiu sobre os preceitos dos artigos 26.º, n.º 4, alínea a) , e 28.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto. Bem vistas as coisas, este entendimento, compreensível embora, carece de uma clarificação. Aquilo que verdadeiramente está em causa, no plano do juízo de constitucionalidade, é o efeito jurídico da alteração legislativa consubstanciada na limitação da remissão contida na alínea a) do n.º 4 do artigo 26.º do NRAU para a alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, deixando de fora a alínea b) deste mesmo preceito. Dispondo esta que a circunstância de o arrendatário se manter «no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade, ou por um período de tempo mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência deste» legitimaria a sua oposição à extinção do contrato de arrendamento, concluiu-se na decisão recorrida que deixava de o poder fazer – ainda que, como se disse, o tempo de permanência no local arrendado tivesse decorrido integralmente no âmbito temporal da versão originária do citado artigo 26.º, n.º 4, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU. O que está em causa é, verdadeiramente, a retroatividade da alteração legislativa, sendo sobre ela que há de recair o juízo de desconformidade ou não desconformidade constitucional. Na verdade, desacautelando os interesses dos arrendatários de longa duração, tornou imediatamente irrelevante, no plano da manutenção do arrendamento, aquela circunstância, debilitando insuportavelmente a situação jurídica dos arrendatários, mesmo que o prazo de trinta anos já tivesse transcorrido por completo à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012 e os arrendatários tivessem, por tal motivo, adquirido o direito à permanência no local arren- dado com base na lei então em vigor. 7. Situação similar à que nos ocupa foi objeto de decisão deste Tribunal a propósito das disposições contidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, na sua versão originária, e do artigo 2.º, n.º 1, alínea b) , da Lei n.º 55/79, de 15 de novembro – lei que exigia um período de permanência de apenas vinte anos no imóvel arrendado para que o inquilino pudesse opor-se à denúncia. A jurisprudência que então se firmou mantém total atualidade e a identidade de razões justifica a sua aplicação ao caso aqui em apreço. Com efeito, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 259/98, 270/99 e 682/99 julgaram, todos eles, inconstitucional a norma da alínea b) do artigo 107.º do RAU, quando interpretada no sentido de abranger os casos em que já decorrera integralmente, no domínio da lei antiga [a dita Lei n.º 55/79], o tempo de per- manência do arrendatário, indispensável, segundo essa lei, para impedir o exercício do direito de denúncia pelo senhorio. Citando o último destes arestos (que se refere aos anteriores): «(…) sublinhou-se nesses arestos que, não podendo já o senhorio, no momento da entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano, exercer o direito de denúncia do arrendamento, achava-se criada uma situação que, para o arrendatário, representava “uma mais-valia de proteção da sua permanência no local arrendado”: o direito de aí permanecer tinha passado a ancorar-se “no postulado da segurança jurídica que deriva do princípio do Estado de direito”. Por isso, não se descobrindo fundamento capaz de justificar a eliminação desse direito, é o mesmo violado, de forma intolerável, pela referida norma, quando interpretada nos termos indicados. Ou seja: tal norma viola o direito que, com o decurso do tempo, os arrendatários tinham adquirido a permanecer no arrendado sem o risco de denúncia do contrato – e, com isso, viola aquele mínimo de certeza e de segurança que os cidadãos devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito: impõe-se, de facto – como se pôs em evidência no Acórdão n.º 330/90 (publicado no Diário da República , II série, de 19 de março de 1991) – que este organize “a proteção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida.» Também não se descortinam razões para contrariar esta jurisprudência, que foi, de resto, reafirmada pelo Acórdão n.º 201/07:

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