TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

264 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O invocado Acórdão tinha por objeto norma que, na dimensão sindicada, estabelecia como valor do incidente de exoneração do passivo restante, para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre, o valor do processo de insolvência, que é o do ativo do devedor (artigo 15.º do CIRE). E foi no pressuposto da existência de uma ampla margem de discricionariedade do legislador na concreta conforma- ção e delimitação dos pressupostos de admissibilidade do recurso referente àquele incidente, que o Tribunal Constitucional concluiu que o critério de recorribilidade eleito pelo legislador violava, por discriminatório e carecido de fundamento material bastante, o princípio da igualdade, no ponto em que a aplicação irrestrita do critério de fixação do valor da causa, para efeito da recorribilidade das decisões relativas à exoneração do passivo (baseado no valor do ativo e não no montante do passivo que se pretendia exonerar), abstraía da finalidade especial do incidente e tratava desigualmente sujeitos numa posição idêntica. Contudo, e como claramente decorre de toda a exposição argumentativa anterior, o incidente de exone- ração do passivo restante, que apenas se destina a viabilizar ao insolvente pessoa singular, verificados certos pressupostos legais, um novo recomeço (fresh start), libertando-o dos créditos sobre a insolvência que não forem pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento (artigo 236.º do CIRE), não é, em nenhuma perspetiva, equiparável ao incidente de qualificação da insolvência, cujos efeitos substantivos, como vimos, assumem evidente ressonância constitucional. Por isso, no presente recurso, fica prejudicada a apreciação do problema de saber se o legislador incorre em violação do princípio da igualdade quando nega às pessoas afetadas pela qualificação a faculdade de recor- rer nos casos em que o valor do ativo do devedor é inferior ao da alçada do tribunal de primeira instância e o admite nos casos em que este valor é-lhe superior, que foi a perspetiva de análise adotada pelo tribunal recorrido e, em caso aparentemente paralelo, pelo Tribunal Constitucional no referido Acórdão n.º 328/12. Ora, não podendo o legislador, desde logo, negar à pessoa visada pela qualificação da insolvência como culposa o direito de ver reapreciada, pelo menos num grau de recurso, a respetiva decisão judicial, como defendido, o que merece censura constitucional é a interpretação extraída das disposições conjugadas dos artigos 15.º do CIRE, e 304.º, primeira parte, e 629.º, n.º 1, do CPC, segundo a qual não cabe recurso das decisões proferidas no incidente de qualificação da insolvência cujo valor, determinado pelo ativo do deve- dor, seja inferior ao da alçada do tribunal de primeira instância. 6. Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do direito ao recurso de decisões judiciais que diretamente afetam direitos, liberdades e garantias, decorrente do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 15.º do CIRE, e artigos 304.º, primeira parte, e 629.º, n.º 1, do CPC, interpretadas no sentido de que não cabe recurso de decisões proferidas no incidente de qualificação da insolvência cujo valor, determi- nado pelo ativo do devedor, seja inferior ao da alçada do tribunal de primeira instância; b) Negar, em consequência, provimento ao recurso. Sem custas. Lisboa, 20 de maio de 2015. – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 16 de junho de 2015. 2 – Os Acórdãos n. os 65/88, 202/90, 638/98 e 414/02 es tão publicados em Acórdãos, 11.º, 16.º, 41.º e 54.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 173/09 e 197/09 e stão publicados em Acórdãos, 74.º Vol.. 4 – Os Acórdãos n. os 340/11 , 70/12 e 328/12 es tão publicados em Acórdãos, 81.º, 83.º e 84.º Vols., respetivamente. 5 – Os Acórdãos n. os 530/12 e 69/14 e stão publicados em Acórdãos, 85.º e 89.º Vols., respetivamente.

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