TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
263 acórdão n.º 280/15 garantia constitucional não pode deixar de operar «quando uma atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal». Por todas as razões antes invocadas, afigura-se ser essa precisamente a situação vertente (contrariamente ao que sucedia no caso apreciado naquele outro aresto, em que a afetação decorria diretamente da decisão administrativa de indeferimento da concessão de apoio judiciário, que já havia sido objeto de controlo juris- dicional, não sendo, por isso, julgada inconstitucional a norma que não admitia recurso da decisão judicial que julgara improcedente a impugnação deduzida contra a decisão administrativa que indeferiu o apoio judiciário). Direito ao recurso da pessoa afetada pela qualificação da insolvência como culposa 5. Como se procurou demonstrar, a sentença de qualificação da insolvência como culposa, pelos efeitos substantivos que lhe estão automaticamente associados, afeta diretamente direitos, liberdades e garantias, ou direitos de natureza análoga, que gozam de um especial regime de proteção (artigo 18.º da Constituição), oponível a todos, particulares e entidades públicas, inclusive tribunais, como é o caso paradigmático da liberdade de exercício da profissão e da liberdade de iniciativa ou atividade económica, sendo, pois, a causa, primeira e direta, de afetação desses direitos. Por outro lado, ao nível da decisão da matéria de facto, a sentença de qualificação da insolvência assenta essencialmente em presunções legais de culpa e, ao nível dos sujeitos abrangidos, pode mesmo atingir ter- ceiros (em relação ao insolvente), cujo meio de sustento pode ser precisamente a gestão e administração de sociedades ou patrimónios alheios (note-se que, nos termos do artigo 84.º, n.º 1, do CIRE, o direito a ali- mentos apenas é reconhecido, por absoluta carência de meios de subsistência, ao devedor insolvente ou aos trabalhadores e outros credores da massa insolvente). Um tal impacto, na esfera jurídico-pessoal da pessoa afetada, e no núcleo essencial dos direitos de per- sonalidade, não pode deixar de implicar o reconhecimento ao titular dos direitos afetados pela decisão de qualificação da insolvência como culposa, o direito de ver reapreciada, pelo menos num grau de recurso, a validade e bondade da sentença que assume, ao nível da prova, esse mais (frágil) nível de estruturação e, tem, ao nível dos efeitos substantivos, esse intenso (e alargado) campo subjetivo de intervenção (admitindo expressamente que a qualificação da insolvência como culposa pode justificar imperatividade constitucional de um duplo grau de jurisdição pelas consequências gravosas que comporta, cfr. Acórdão do Tribunal Cons- titucional n.º 340/11). Ora, a admissível focalização do recurso sob esse novo plano de análise, centrado, não no princípio consti- tucional da igualdade, mas no direito ao recurso, naturalmente impõe o reajustamento do parâmetro de cons- titucionalidade que pode servir de fundamento a um juízo de inconstitucionalidade (artigo 79.º-C da LTC). Como vimos, o tribunal a quo recusou a aplicação da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 15.º do CIRE e dos artigos 304.º, n.º 1, primeira parte, e 629.º, n.º 1, do CPC, interpretadas no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de qualificação da insolvência, o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinado pelo ativo do devedor. O juízo de inconstitucionalidade formulado pelo tribunal recorrido, recorde-se, fundamentou-se na seguinte linha de argumentação, aliás assumidamente transposta do Acórdão n.º 328/12: «Ao eleger-se o critério do ativo (que é o critério do artigo 15.º do CIRE), sem ligação com os valores em jogo neste incidente, o critério torna-se, por isso, arbitrário e pode colocar, como é o caso dos autos, em situação diversa, quanto à utilização do direito ao recurso, situações materialmente iguais, como é o caso de dois afetados com a insolvência cujo passivo seja semelhante, mas o ativo de um seja superior ao valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o outro seja inferior. É nesta dimensão que ocorre a infração ao princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (…)».
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