TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
262 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É neste entendimento que continuo a sustentar o que noutro lugar subscrevi ( Constituição da República Portu- guesa Anotada , de que sou coautor, juntamente com J. J. Gomes Canotilho), no sentido de que «o direito de recurso para um tribunal superior tenha de ser contado entre as mais importantes garantias constitucionais», naturalmente quando se trata da «defesa de direitos fundamentais» [ ob. cit. , 2.ª edição, vol. 1°, p. 181, nota m) ao artigo 20.º]. De resto, não é por acaso que em alguns ordenamentos constitucionais estrangeiros existem específicos recursos de defesa de direitos fundamentais («recurso de amparo», Verfassungsbeschwerde ), inclusive contra decisões judi- ciais, recurso normalmente destinado aos tribunais constitucionais, ou com funções de jurisdição constitucional. Entre nós, não existindo tal figura (cf. ob. cit. , ibid. ), penso que não pode deixar de considerar-se necessária ao menos a garantia de um grau de recurso (e portanto de um «duplo grau de jurisdição») como componente inerente ao regime constitucional das garantias dos direitos fundamentais constitucionais (itálico nosso). Recorde-se, de resto, que uma tal ideia de reapreciação jurisdicional das decisões (inclusive as judiciais) que afe- tem direitos fundamentais encontra eco mesmo no plano de direito internacional, no âmbito da Convenção Euro- peia dos Direitos do Homem, através da queixa dos particulares à Comissão Europeia dos Direitos do Homem, com eventual submissão de tal queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.». Secundando essa linha de abordagem, defende-se, por seu lado, na declaração de voto subscrita pelo Conselheiro António Vitorino, constante do segundo dos mencionados Acórdãos: «(…) A temática da tutela judicial efetiva dos direitos fundamentais (do «direito à jurisdição como direito fun- damental», na expressão de Angela Figueruelo Burrieza, El derecho a la tutela judicial efetiva , ed. Tecnos, Madrid, 1990, p. 49), em especial dos direitos, liberdades e garantias, constitui, de facto, matéria da maior relevância no âmbito das garantias constitucionais das posições jurídicas subjetivas dos particulares. A Constituição Portuguesa expressa, a diversos títulos, tal preocupação. E se do seu texto não ressalta, expressamente, um preceito que funde diretamente um genérico princípio de duplo grau de jurisdição, tal não obsta a que o intérprete da Lei Funda- mental e o próprio julgador da constitucionalidade dos atos normativos, maxime em sede de fiscalização concreta, formulem um entendimento (deduzido quer do princípio do Estado de direito democrático, quer da forma ampla com que o artigo 20.º da CRP consagra o direito de acesso ao direito e aos tribunais) que assegure plenamente tal tutela judicial efetiva para garantia dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. É que a aplicação do direito em sede judicial não se pode quedar pelo limiar de um fair process, mas deve tam- bém almejar ser um verdadeiro due process, a que não pode ser indiferente a determinação, no plano das realidades concretas, das condições de efetivação da tutela jurisdicional dos direitos, liberdades e garantias. Como afirma Jesús González Pérez («El derecho a la tutela jurisdicional», Cuadernos Civitas, 2.ª edição, Madrid, 1989, p. 38) «se todo o direito fundamental goza desta tutela judicial reforçada, é óbvio que tal tutela nunca será tão justificada como quando se trata do direito à tutela judicial, cuja violação resultará, por via de regra, dos órgãos jurisdicionais». Sem uma tal meta interpretativa não se poderá deixar de concluir que, no plano das garantias jurisdicionais, a tutela dos direitos, liberdades e garantias ficaria bem aquém do especial estatuto que o artigo 18.º da Constituição expressamente lhes confere em termos de força jurídica. (…)». Afigura-se que, para o caso concreto agora em apreciação, onde se perceciona nitidamente a compressão judicial da esfera jus-fundamental dos cidadãos, prevista e imposta por lei, outra não poder ser a perspetiva constitucional de análise. Ensaiando novas possibilidades de solução do problema jurídico-constitucional equacionado nas trans- critas declarações de voto, o citado Acórdão n.º 40/08 adianta um critério que se afigura especialmente pertinente no presente recurso. Sustenta-se que o direito à impugnação judicial há de ser reconhecido em todos os casos em que a afetação do direito fundamental do cidadão teve origem direta nos próprios atos dos tribunais, sejam eles decisões judiciais ou atuações materiais. E explica-se porquê: «sendo constitucional- mente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer atos lesivos dos direitos dos cidadãos ( maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses atos provenientes de particulares ou órgãos do Estado», uma tal
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