TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
261 acórdão n.º 280/15 que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (…)»(Acórdão n.º 638/98). E embora se sustente que o legislador não pode, atenta a imposição constitucional de uma hierarquia de tribunais judiciais, eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, nem comprometer a sua viabilidade prática, tem-se-lhe reconhecido uma ampla margem de liberdade ou discri- cionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos em processo civil, embora sujeita às limitações constitucionais impostas pelo princípio da igualdade, não podendo o legislador, em caso de «abertura da via judiciária sucessiva», admiti-la em relação a uns e, sem fundamento material bastante, recusá-la em relação a outros (cfr., sobre esta temática, Lopes do Rego, «O direito de acesso aos tribunais na jurisprudência recente do Tribunal Constitucional», em Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, pp. 53 e segs.; reconhecendo uma tal ampla margem de con- formação no regime jurídico de recurso do processo de insolvência, assente na relação do valor da ação com o da alçada do tribunal, cfr. Acórdão n.º 348/08, que não julgou inconstitucional a norma extraída do n.º 1 do artigo 678.º do CPC, quando interpretada no sentido de que «quando o valor da ação de insolvência é inferior à alçada dos tribunais de 1.ª instância, não é admissível recurso ordinário da sentença). Mas há um aspeto do problema jurídico-constitucional subjacente a esta temática que não pode ser ignorado na ponderação do caso. Sem colocar em causa a validade abstrata dessas asserções, afigura-se constitucionalmente exigível con- frontá-las com as especificidades do caso concreto, ou da hipótese normativa em apreciação, centrando a análise, não na natureza do processo, mas no impacto ou no tipo de efeitos que se produzem na esfera jurí- dica da pessoa visada, por efeito da decisão judicial a que se aplica o concreto regime de recurso em avaliação constitucional. É que, em relação às decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, designadamente direitos, liber- dades e garantias, o recurso pode apresentar-se como garantia imprescindível destes direitos, mesmo fora do âmbito penal (cfr. neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano- tada, 4.ª edição, Coimbra, p. 418). Por outro lado, a questão da imposição constitucional da recorribilidade das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais foi já aflorada, em tese, no seio da jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial, nos Acórdãos n. os 40/08 e 197/09, e, mais recentemente, no Acórdão n.º 69/14. Como se dá conta no referido Acórdão n.º 40/08, a primeira abordagem da questão foi feita em duas declarações de voto exaradas nos Acórdãos n. os 65/88 e no Acórdão n.º 202/90, em que se discutia a consti- tucionalidade, designadamente à luz do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Cons- tituição, das normas conjugadas dos artigos 103.º, alínea d) , da LPTA e 24.º, alíneas a) e b) , do ETAF, na medida em que não admitiam recurso para o pleno da secção do STA, salvo por oposição de julgados, dos acórdãos dessa instância que decidam, no correspondente incidente cautelar, sobre a suspensão da eficácia de atos contenciosamente impugnados. Divergindo do entendimento invocado em fundamento do juízo de não inconstitucionalidade for- mulado, assente na ideia central de que o direito de acesso aos tribunais não garante o direito a um duplo grau de jurisdição, defende-se na declaração de voto aposta no primeiro dos citados acórdãos, subscrita pelo Conselheiro Vital Moreira, o seguinte: «Votei a conclusão do acórdão, mas não acompanho em tudo a respetiva fundamentação. Com efeito, penso que há de considerar-se constitucionalmente garantido – ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático – o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, o que abrange não apenas as decisões condenatórias em matéria penal – como se reconhece no acórdão – mas também todas as decisões judiciais que afetem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a catego- ria constitucional dos «direitos, liberdades e garantias» (artigos 25.º e seguintes da CRP).
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