TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

260 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do Tribunal Constitucional n.º 414/02; Maria do Rosário Epifânio, Os efeitos substantivos da falência , Porto, 2000, pp. 74-75, e Jorge Duarte Pinheiro, ob. cit, p. 215). Com efeito, a inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, que pode ser decretada por um período que pode ir até aos 10 anos, inter- fere, a um só tempo, com a liberdade de escolha da profissão, na vertente da liberdade de exercício (artigo 47.º, n.º 1, da Constituição), com a liberdade de associação (artigo 46.º, n.º 1, da Constituição) e com a liberdade de atividade ou iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1, da mesma Lei Fundamental), que inte- gram o núcleo duro dos direitos, liberdades e garantias (ou direitos de natureza análoga). E isto indepen- dentemente da natureza jurídica que possa assumir (sublinhando tratar-se de uma «incompatibilidade de posições jurídicas», resultante do estado de insolvência culposa, e não uma incapacidade em sentido técnico, cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil. Teoria Geral. Vol. I, p. 193, Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, p. 277, e Jorge Duarte Pinheiro, ob. cit. , p. 212). E mesmo a inibição para a administração de patrimónios alheios, que à primeira vista parece não implicar com nenhum direito fundamental, pode interferir com o exercício das responsabilidades parentais, se dela decorrerem também limitações quanto à administração do património dos filhos, matéria com assento constitucional nas normas conjugadas dos artigos 36.º, n.º 3, e 68.º da Constituição. Esse facto, que constitui o primeiro plano de abordagem do objeto do presente recurso, afigura-se abso- lutamente decisivo na solução do problema de inconstitucionalidade em equação. É que, estando em causa decisões que afetam diretamente direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga, como acima demonstrado, o que importa verificar, a montante, é se assiste ao legislador, neste particular domínio normativo de extrema sensibilidade constitucional, a ampla margem de discricio- nariedade que lhe é genericamente reconhecida na conformação do regime dos recursos em processo civil ou, dito doutro modo, se a Constituição impõe, neste caso, o reconhecimento do direito a um duplo grau de jurisdição, independentemente do valor do incidente ou dos critérios eleitos pelo legislador para a sua determinação, na sua relação com a alçada dos tribunais. A questão jurídico-constitucional, nessa perspetiva metodológica de análise, não se situa, pois, nos limi- tes internos da liberdade de conformação legal do regime do recurso das decisões proferidas no incidente de qualificação da insolvência como culposa, designadamente os que decorrem da sujeição do legislador ao prin- cípio constitucional da igualdade, mas na própria existência dessa liberdade de regulação em relação àquela particular categoria de decisões, o que necessariamente impõe a avocação prioritária de um outro parâmetro de constitucionalidade, que é o próprio direito ao recurso. Direito ao recurso no processo civil 4. Contrariamente ao que sucede no processo criminal, domínio em que a Constituição, desde a revisão constitucional de 1997, consagra expressamente, como garantia de defesa do arguido, o direito ao recurso ou a um duplo grau de jurisdição (artigo 32.º, n.º 1) – direito que já antes vinha sendo reconhecido pela jurisprudência constitucional em relação à decisão final condenatória e todos os atos judiciais que tenham por efeito a privação ou restrição da liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido –, não existe na Lei Fundamental qualquer previsão expressa atributiva do correspondente direito às partes em processo civil. Com base nesse dado jurídico-constitucional, tem o Tribunal Constitucional concluído, em jurispru- dência consolidada, pela inexistência, em processo civil (e, bem assim, em processo laboral e administrativo) de um direito geral a um duplo grau de jurisdição, considerando que «o direito à tutela jurisdicional não é (…) imperativamente referenciado a sucessivos graus de jurisdição. Ali se assegura apenas em termos absolu- tos, e num campo de estrita horizontalidade, o acesso aos tribunais para obter a decisão definitiva de um lití- gio» (Acórdão n.º 65/88) ou o «direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão

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