TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e os rendimentos e bens declarados, imputando ao agente um crime de enriquecimento injustificado. Nas palavras do requerente (ponto 26.º do requerimento), «[…] resulta que a presunção da prática do crime é inerente ao próprio tipo penal». B. Da política criminal em Estado de direito: enquadramento constitucional 8. Através do Decreto n.º 369/XII deliberou a Assembleia da República instituir um novo tipo de crime ao qual conferiu o nome de enriquecimento injustificado. Na sequência desta deliberação, decretou que fosse aditado ao Título V do Livro II do Código Penal (relativo aos «crimes contra o Estado») um artigo 335.º-A, que, contendo a formulação do novo tipo, se acrescentará ao elenco dos crimes já previstos na Secção II do Capítulo I daquele título, e que, segundo o Código, se identificam como sendo os «crimes contra a realização do Estado de direito». Do mesmo modo, e ainda na sequência daquela sua deliberação, decretou ainda a Assembleia que fosse aditado um artigo 27.º-A à Lei n.º 34/87, de 16 de julho (crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos), de modo a incluir uma previsão especial do crime de enriquecimento injustificado quando perpetrado por quem seja titular de cargo político ou de alto cargo público, durante o período do exercício das suas funções ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções. São estas duas medidas, incluídas respetivamente no artigo 1.º e no artigo 2.º do Decreto n.º 369/XII, que o requerente impugna junto do Tribunal Constitucional. 9. Tratando-se ambas de medidas de política criminal, tomadas pela Assembleia no exercício da sua competência para a definição de [novos] crimes e penas, deverá antes do mais dizer-se que não caberá ao Tribunal resolver ou aprofundar as questões de dogmática jurídico-penal que a interpretação de normas incriminadoras (estas novas, como quaisquer outras) eventualmente coloque, uma vez que esta é função que, naturalmente, aos tribunais comuns competirá exercer. Ao Tribunal cabe todavia averiguar de uma específica e diferente questão, que é precisamente a de saber se foram ou não cumpridos no caso os padrões legitimadores da constitucionalidade das novas incriminações. Com efeito – e como o Tribunal sempre tem dito, em jurisprudência ininterrupta, desde o início da sua fundação – ao legislador ordinário deve ser reconhecida larga margem de liberdade de conformação na prossecução do que entenda dever ser a política criminal adequada, em cada momento histórico, às exigências de subsistência de bens coletivos fundamentais. Não sendo a Constituição um código detalhado de relações sociais ou sequer do modo de organização do Estado, «o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador» (Acórdão n.º 634/93, ponto 6), enquanto titular da função de primeiro mediador, ou concretizador, da ordem jurídico-constitucional (Acórdão n.º 347/86, ponto 7). Todavia, nem por isso chegará a concluir-se que, em Estado de direito, é isenta de vínculos constitucionais a definição legisla- tiva de medidas de política criminal. Nenhum poder o é; e muito menos o será o poder de definir novos crimes e de prever novas penas, o qual, pela sua especial natureza, não dispensará naturalmente a condição de poder constitucionalmente vinculado. Assim, e não obstante a larga margem conformadora que, neste domínio, deve ser reconhecida ao legislador, haverá sempre que concluir que a Constituição surge como o horizonte no qual há de inspirar-se, e por onde há de pautar-se, qualquer programa de política criminal. 10. A jurisprudência tem definido, de modo constante, os princípios que dão corpo e sentido a este horizonte. 10.1. Nos Acórdãos n. os 25/84, 85/85, 347/86, 634/93, 650/93, 83/95, 211/95, 527/95, 1142/96, 274/98, 480/98, 108/99, 604/99, 312/00, 95/01, 99/02, 22/03, 295/03, 376/03, 494/03, 403/07, 605/07, 595/08, 577/11, 128/12 e 105/13, por exemplo, o Tribunal enunciou o (logicamente) primeiro de todos eles: o princípio da necessidade de pena, sediado, textualmente, no artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Implicando a previsão de penas restrições a liberdades fundamentais (o requerente indica a liberdade, tout court, e a
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=