TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
258 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n.º 1, do CIRE). E aplica-se mesmo nas situações em que, inicialmente ou no decurso do processo, se con- clua pela insuficiência do património do devedor para a satisfação das custas do processo e das dívidas da massa insolvente, caso em que o incidente de qualificação assume caráter limitado e não pleno (artigo 191.º do CIRE). No final do incidente, o juiz profere sentença a qualificar a insolvência como culposa ou fortuita (artigo 189.º, n.º 1, do CIRE). Na primeira hipótese, que é a única que ora releva, deve a sentença identificar as pessoas afetadas por essa qualificação, que podem ser, não apenas a pessoa singular insolvente e seus adminis- tradores (artigo 186.º, n.º 4, do CIRE), como também os administradores, de direito ou de facto, da pessoa coletiva insolvente e, bem assim, os próprios técnicos oficiais de conta e revisores oficiais de conta (artigo 189.º, n.º 2, do mesmo Código), universo subjetivo que, aliás, a lei enuncia exemplificativamente num claro propósito de responsabilização, não apenas da pessoa declarada insolvente, mas de todos aqueles que, sendo terceiros, criaram ou agravaram censuravelmente, por força da sua atuação, no período legalmente relevante, a situação de insolvência decretada. Por outro lado, não sendo a qualificação da insolvência como culposa (ou fortuita) vinculativa para efei- tos da decisão de causas penais (artigo 185.º do CIRE), releva para a decisão daquele incidente a condenação do visado pela prática dos crimes de insolvência dolosa ou negligente previstos nos artigos 227.º e 228.º do Código Penal (cfr. artigo 300.º do CIRE). Por seu turno, nos termos do artigo 189.º, n.º 2, do CIRE, os efeitos jurídicos substantivos que, para as pessoas afetadas, decorrem da qualificação da insolvência como culposa são os seguintes: a inibição para a administração patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos [alínea b) ]; a inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, também por um período de 2 e 10 anos [alínea c) ]; a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos [alínea d) ]; e, finalmente, a condenação, em regime de solidariedade, no pagamento de uma indemnização aos credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios [alínea e) ] [entretanto, a norma do artigo 189.º, n.º 2, alínea b) , do CIRE, que, na sua redação original, impunha ao juiz que decretasse a inabilitação do administrador da sociedade comercial insolvente, foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Plenário n.º 173/09]. Esses efeitos jurídicos são cumulativos e automáticos, como claramente decorre do proémio do n.º 2 do artigo 189.º, pelo que, uma vez proferida tal decisão, não pode o juiz deixar de aplicar todas essas medidas. Não obstante, a determinação do período de tempo de cumprimento das medidas inibitórias previstas nas alí- neas b) e c) do n.º 1 do artigo 189.º do CIRE (inibição para a administração de patrimónios alheios, exercício de comércio e ocupação de cargo de titular de órgão nas pessoas coletivas aí identificadas) e, naturalmente, a própria fixação do montante da indemnização prevista na alínea e) do n.º 2 do mesmo preceito legal, deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal. Note-se, finalmente, que a inibição para o exercício do comércio, tal como a inibição para a adminis- tração de patrimónios alheios, são oficiosamente registadas na conservatória do registo civil – e, quando a pessoa afetada for comerciante em nome individual, também na conservatória do registo comercial (artigo 189.º, n.º 3, do CIRE) –, assumindo-se, pois, no quadro das ponderações legais, como facto de relevância civil equiparável àqueles cuja publicidade no registo civil é obrigatória. Analisando o enquadramento legal do incidente de qualificação da insolvência, que acima se enunciou sucintamente, em particular os pressupostos e efeitos jurídicos da sentença de qualificação da insolvência como culposa, que foi a proferida no processo-base, é, pois, possível extrair algumas conclusões úteis à sua configuração dogmática, no contexto do processo (principal) de insolvência. No plano adjetivo, trata-se de um incidente processual que corre por apenso a um processo de insolvên- cia (artigo 132.º do CIRE, ex vi artigo 188.º, n.º 8, do CIRE). Como é sabido, o processo de insolvência é um processo de execução universal cuja finalidade essencial é a satisfação dos credores do devedor, em regra
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