TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
256 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: 1. Declarada a insolvência de A., Lda., foi aberto o respetivo incidente de qualificação da insolvência, com caráter pleno, nos termos do artigo 188.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). O administrador da insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, na pessoa dos sócios e gerentes da insolvente, aí identificados, tendo o requerido B., entre outros, deduzido oposição e requerido, a final, a qualificação da insolvência como fortuita. Saneados os autos e condensada a respetiva matéria de facto, com seleção dos factos assentes e elaboração da base instrutória, procedeu-se à realização da audiência de julgamento, que culminou com a prolação de sentença em que, além do mais, se qualificou a insolvência como culposa, considerando afetados por essa qualificação os requeridos C. e B.. Em consequência, decretou-se a sua inibição para a administração do património de terceiros, para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 2 anos, e determinou-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelos mesmos, condenando-os, ainda, na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos. O requerido B., inconformado, interpôs recurso da referida sentença para o Tribunal da Relação do Porto, que foi admitido pelo tribunal a quo. Subidos os autos ao Tribunal da Relação, foi proferido despacho pelo relator a ordenar a sua devolução à primeira instância, a fim de ser fixado valor à causa, nos termos do artigo 306.º do Código de Processo Civil. Em cumprimento do determinado, foi proferida a seguinte decisão: «Atento o disposto no n.º 1, do artigo 304.°, do novo CPC, que corresponde ao artigo 313.°, do anterior CPC, aplicável ex vi do artigo 17.° do CIRE, o valor do presente incidente em princípio seria o da causa principal, ou seja o valor do processo de insolvência. Ora, o valor da ação principal de insolvência, atento o disposto no artigo 15.° do CIRE e o que resulta do apenso de liquidação, foi corrigido para € 4 400 – cfr. n.° 4 do artigo 299.° do novo CPC. O que obstava à admissibilidade do recurso – cfr. artigo 629.°, n.° 1, do CPC. Sucede que, a nosso ver, e à semelhança do que já foi decidido no que respeita ao incidente de exoneração do passivo restante (no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 328/2012 ( DR, 11 Série, n.º 222, de 16-11-2012), entendemos que será de recusar a aplicação da norma do artigo 15.° do CIRE, também relativamente à determinação do valor do incidente de qualificação de insolvência, por infringir o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da Constituição da República e ser, por isso, inconstitucional. O valor do incidente de qualificação de insolvência é, nos termos do artigo 305.°, n.° 1 e 296.°, n.° 1, ambos do novo Código de Processo Civil, determinado de acordo com o valor dos interesses em causa, ou seja, em nosso entender: os interesses imateriais, dado que o objeto do presente incidente não tem valor pecuniário, visa realizar um interesse não patrimonial (a punição daqueles que dolosamente criaram ou agravaram a situação de insolvên- cia), ou seja, o valor do presente incidente deve ser fixado nos termos previstos no artigo 303.°, n.°1, do novo CPC. Ao eleger-se o critério do ativo (que é o critério do artigo 15.° do CIRE), sem ligação com os va1ores em jogo neste incidente, o critério torna-se, por isso, arbitrário e pode colocar, como é o caso dos autos, em situação diversa, quanto à utilização do direito ao recurso, situações materialmente iguais, como é o caso de dois afetados com a insolvência cujo passivo seja semelhante, mas o ativo de um seja superior ao valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o outro seja inferior. É nesta dimensão que ocorre a infração ao princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da Constituição da República, onde se proclama, no seu n.º 1, que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” (…).».
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