TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
252 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «[O] imposto não pode ser encarado, nem como mero poder para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas antes como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado. Com efeito, um estado para cumprir as suas tarefas, tem de socorrer-se de recursos ou meios a exigir dos seus cidadãos, constituindo justamente os impostos esses meios ou instrumentos de realização das tarefas estaduais. Por isso, a tributação não constitui, em si mesma, um objetivo (isto é, um objetivo originário ou primário) do estado, mas sim o meio que possibilita a este cumprir os seus objetivos (originários ou primários), atualmente consubstan- ciados em tarefas de estado de direito e de estado social, ou seja, em tarefas de estado de direito social. […] [O] dever de pagar impostos constitui um dever fundamental como qualquer outro, com todas as conse- quências que uma tal qualificação implica. Um dever fundamental, porém, que tem por destinatários, não todos os cidadãos de um estado, mas apenas os fiscalmente capazes […]. Isto é, não há lugar a um qualquer (pretenso) direito fundamental de não pagar impostos […]. Há, isso sim, o dever de todos contribuírem, na medida da sua capacidade contributiva, para as despesas a realizar com as tarefas do estado. Como membros da comunidade que constitui o estado, […] incumbe-lhes, pois, o dever fundamental de suportar os custos financeiros da mesma, o que pressupõe a opção por um estado fiscal, que assim serve de justificação ao conjunto dos impostos, constituindo estes o preço […] a pagar pela manutenção da liberdade ou de uma sociedade civilizada.» Esta cidadania fiscal – consubstanciada no aludido dever fundamental de pagar impostos (cfr. Casalta Nabais, “Algumas considerações sobre a solidariedade e a cidadania”, texto de 1999, republicado in Por uma Liberdade com Responsabilidade – Estudos sobre Direitos e Deveres Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 131 e segs., p. 192) – implica “que a nenhum membro da comunidade pode ser permitido excluir-se de contribuir para o suporte financeiro da mesma, incumbindo, por con- seguinte, ao estado obrigar todos a cumprir o referido dever” (vide idem , ibidem ). Mais: «[E]mbora [tal dever] constitua diretamente uma posição passiva do contribuinte face ao estado, reflexamente ele configura-se como uma posição ativa do contribuinte traduzida no direito de este exigir do estado que todos os membros da comunidade sejam constituídos em destinatários desse dever em conformidade com a respetiva capa- cidade contributiva e, bem assim, que todos eles sejam efetivamente obrigados ao cumprimento do mesmo. Pelo que cada contribuinte tem simultaneamente um dever, o dever de contribuir para a comunidade que integra, e um direito de exigir que todos os outros membros da comunidade também contribuam para a mesma comunidade.» (vide idem, ibidem ) Daí a importância e a ampla margem de liberdade reconhecida ao legislador no domínio das con- sequências do incumprimento. Referindo-se aos deveres fundamentais em geral, afirma, por exemplo, Casalta Nabais que o legislador goza de maior liberdade “relativamente à sancionação pelo seu incumpri- mento, exprimindo-se tal liberdade quanto a este segmento numa liberdade relativa a se, ao como (sanção penal, contraordenacional ou outra como a inibição ou a incapacidade de exercer determinados direitos) e ao quanto da respetiva sancionação” (vide Autor cit., O Dever Fundamental de Pagar Impostos, cit., p. 165). Em suma, o incumprimento de obrigações fiscais não diz respeito apenas às relações com o poder público estadual, mas relevam igualmente no plano da própria cidadania ao nível das relações dos cida- dãos entre si. Em conformidade, eventuais consequências negativas para o contribuinte incumpridor têm não apenas um forte suporte ético-jurídico (inclusive no plano constitucional), como tendem a reforçar os laços de solidariedade entre os membros da comunidade política. iv. A propósito do princípio da proporcionalidade, tem este Tribunal entendido que “as decisões que o Estado ( lato sensu ) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias e que esta finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=