TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

248 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 20.º, p. 441).» Entre as dimensões constitutivas de tal garantia, encontra-se o direito à prova, entendido como faculdade de apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo (vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., anot. XI, p. 416). Entendendo-se a expo- sição das razões de facto e de direito de uma dada pretensão, com sujeição ao contraditório da parte contrária, perante o tribunal antes que este tome a sua decisão como uma manifestação do direito de defesa dos interessa- dos perante os tribunais, tal direito, juntamente com o princípio do contraditório, não pode deixar de ser visto como “uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente. Por isso, embora só estejam [– o direito de defesa e o princípio do contraditório –] expressamente consagrados na Constituição no âmbito do processo penal, [os mesmos] apresentam-se como normas de alcance geral” (cfr. Rui Medeiros, ob. cit. , anot. XX ao artigo 20.º, pp. 442-443). Mas, como referido, “um tal direito não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova permitidos em direito em qualquer tipo de processo e independentemente do objeto do litígio […]. Todavia, as limitações à produção de prova não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas (Acordãos n. os 209/95, 605/95 e 681/06)” (assim, vide Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, cit., anot. XX ao artigo 20.º, p. 443; vide também os Acórdãos n. os 395/89, 209/95, 452/03, 157/08 e 530/08). A limitação da liberdade probatória – que é diferente da sua regulamentação (por exemplo, quanto ao número de testemunhas ou outros meios de prova a produzir – significa, em princípio, cercear a possibi- lidade de demonstrar em juízo que se tem razão, impedindo-se, desse modo, que o tribunal possa chegar a uma apreciação exata da realidade fáctica. Nessa medida, corresponde a uma restrição ao direito à tutela jurisdicional efetiva, a qual deve ser estatuída por lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado [cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição]. Não foi isso que sucedeu no caso presente, visto que o Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, foi aprovado ao abrigo da competência legislativa genérica do Governo [cfr. o artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição]. Consequentemente, o artigo 1.º do citado Decreto-Lei n.º 153/2008 – preceito que altera o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, aditando ao artigo 64.º deste último o n.º 7 aqui em análise – enferma de inconstitucionalidade orgânica por versar matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Verificado este vício, fica o Tribunal dispensado de apreciar os vícios materiais invocados na sentença recorrida. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, a norma do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo o qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valo- rar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período; E, em consequência, b) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Sem custas.

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