TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
245 acórdão n.º 273/15 « a) Julgar materialmente inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do artigo 2.º da Consti- tuição, a interpretação normativa extraída do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao enten- dimento segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período; b) Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso obrigatório, interposto pelo Ministério Público nos presentes autos, da sentença, de 10 de junho de 2014, do digno magistrado judicial do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar.» (fls. 938) Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 4. É o seguinte o teor do n.º 7 do artigo 64.º do artigo do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto (diploma que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto (diploma emanado com o objetivo de, entre outros, concretizar uma das medidas previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de novembro, respeitantes à revisão do regime aplicável aos processos de indemnização por acidente de viação): «Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos aufe- ridos à data do acidente que se encontram fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes da legislação fiscal.» Foi a partir deste preceito que o tribunal a quo extraiu a norma objeto do presente recurso de consti- tucionalidade: nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período. A obrigação de o julgador no âmbito da responsabilidade civil por acidente de viação atender, para a fixa- ção da indemnização, apenas aos danos fiscalmente comprovados, pode implicar um desvio ao princípio geral conformador da obrigação de indemnização – a reconstituição da situação atual hipotética (cfr. o artigo 562.º do Código Civil) – e, bem assim, ao modo comum de cálculo da indemnização em dinheiro, ou seja, de acordo com a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil: “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Como notam Adriano Garção Soares e Maria José Rangel de Mesquita, “o facto de a obrigação de atendimento dos rendimentos fiscalmente comprovados ser circunscrito à indemnização de danos originados pela circulação de veículos automóveis sujeitos ao seguro obrigatório representa uma discriminação negativa relativamente à indemnização de danos provenientes de outros eventos igualmente geradores de responsabilidade civil. Se a indemnização a atribuir ao lesado não tiver origem em responsabilidade civil por acidente de viação já o respetivo quantitativo não ficará sujeito aos estreitos limites
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