TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

243 acórdão n.º 273/15 líquidos auferidos à data do acidente que se encontram fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obri- gações declarativas relativas àquele período, constantes da legislação fiscal.” A inserção deste critério de determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais por acidentes de viação, segundo consta do preâmbulo do DL n.º 153/2008, de 06.08, visa a concretização de uma das medidas previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 06.11, a qual diz respeito à “revisão do regime jurídico aplicável aos processos de indemnização por acidentes de viação, estabelecendo regras para a fixação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados para servir de base à definição do montante da indemnização de forma que os rendimentos declarados para efeitos fiscais sejam o elemento mais relevante”. Trata-se de uma das medidas com as quais se pretendia diminuir a fonte de litigiosidade que contribui para o congestionamento dos tribunais, pois por via de regra as seguradoras procedem aos cálculos das indemnizações tendo por base os rendimentos declarados, ao passo que os lesados, em juízo, muitas vezes invocam rendimentos muito superiores e sem qualquer correspondência com as declarações fiscais. Assim, conforme está expresso no preâmbulo, a alteração legislativa em causa “surge para pôr cobro ao poten- cial de litigiosidade que aquela situação encerra, procurando, por um lado, contribuir para acentuar a tendencial correspondência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efetivamente auferida – sinalizando-se também aqui o reforço de uma ética de cumprimentos fiscal – e por outro, aumentar as margens de possibilidade de acordo entre seguradoras e segurados (…)”, para além de que dessa forma se visa “que nestas matérias exista mais objetividade e mais previsibilidade nas decisões dos tribunais, criando também condições para que a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa”. Cremos que aquela alteração legislativa está longe de cumprir o propósito de diminuição da litigiosidade e da celeridade, conforme proclama, mas é discussão que para o que aqui se discute é inócua. Mas se a pretexto dessa intenção e de uma certa moralização fiscal (cuja jurisdição encerra em si mecanismos próprios de tutela) na prática se prejudicam os próprios lesados, favorecendo as seguradoras e os lesantes, pela introdução de limitações aos critérios gerais de determinação das indemnizações em dinheiro, limitações essas que inexistem quando a fonte da responsabilidade não deriva de acidente de viação, então temos um problema de constitucionalidade da norma em apreço. Com efeito, está-se perante uma limitação ao princípio geral estabelecido no artigo 562.º e ao critério de determinação da indemnização paga em dinheiro estabelecido no artigo 566.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. Conforme sustentam Adriano Garção Soares e Maria José Rangel de Mesquita, in Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Anotado e Comentado, p. 259, Almedina 2008, o “facto de a obrigação de atendimento dos rendimentos fiscalmente comprovados ser circunscrito à indemnização de danos originados pela circulação de veículos automóveis sujeitos ao seguro obrigatório representa uma discriminação negativa relativamente à indemnização de danos provenientes de outros eventos igualmente geradores de respon- sabilidade civil. Se a indemnização a atribuir ao lesado não tiver origem em responsabilidade civil por acidente de viação já o respetivo quantitativo não ficará sujeito aos estreitos limites previstos neste n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 153/2008. Em termos de igualdade de tratamento e de justiça retributiva não se compreende esta discriminação”. Por outro lado, o tribunal teria de proferir uma decisão as mais das vezes desfasada da realidade e, nessa medida, sem tutelar efetivamente, na sua plenitude, o direito de ressarcimento do lesado. Ora, sobre a questão da constitucionalidade da norma em apreço, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional (acórdão n.º 383/12, processo n.º 437/10, 2.ª Secção, com texto integral in www.tribunalconstitucional.pt ) , no qual foi decidido o seguinte: “a) julgar materialmente inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do artigo 2.º da

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