TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 27. Resta perceber, portanto, se a opção do legislador pelo critério em causa ( i. e. , o facto de a decisão em causa pôr termo ou não ao processo) encontra justificação razoável que impeça a censura constitucional, desde logo à luz do princípio da igualdade. O problema é que se revela difícil encontrar uma justificação para a situação descrita. Não é possível fundar a diferença na simplicidade das questões a apreciar no saneador (sejam elas de mérito ou antes questões formais). De facto, como já se referiu, quando todas as questões colocadas nos autos são decididas naquela peça processual, precisamente por serem – todas elas – de solução simples, o prazo é mais longo do que na situação em que apenas algumas dessas questões são decididas. Ou seja, prazos dife- rentes são aplicados para as mesmas questões simples, pelo único motivo de no mesmo processo subsistirem ou não outras questões consideradas complexas. O mesmo pode ser dito relativamente a qualquer outra característica das questões decididas no saneador: a diferenciação não depende destas. É a complexidade da questão cujo conhecimento é relegado para final (ou mais concretamente ainda, a subsistência de uma tal questão para decidir) que determina o encurtamento do prazo para recorrer da decisão de mérito (ainda que traduza questão necessariamente simples) proferida no saneador. Uma outra justificação possível passaria pela invocação de preocupações de celeridade e economia processual que caracterizam a legislação regulamentadora do processo de trabalho e visam essencialmente impedir penalizar as partes mais fracas do ponto de vista económico, designadamente os trabalhadores, os sinistrados e os seus familiares, com demoras evitáveis do processado. A decisão que conhece de mérito no saneador põe termo à concreta questão que constitui o objeto do seu conhecimento, decidindo esse pedido com autonomia relativamente aos demais. Ora, independentemente do prazo para a sua interposição, o recurso da decisão proferida no saneador que conheça de mérito de algum pedido – ponha, ou não, termo ao processo – é sempre de apelação, tendo, em regra, o efeito meramente devolutivo (artigo 83.º do CPT) e subindo em separado (artigo 83.º-A do CPT em conjugação com artigo 645.º do CPC na redação atual – artigo 691.º-A do CPC na redação anteriormente em vigor). Na verdade, com a revisão do CPT introduzida pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, desapareceram os recursos que podiam ficar retidos no âmbito do processo laboral. Num tal quadro legislativo não é possível afirmar que a redução do prazo de recurso da decisão de mérito no saneador, que não põe termo aos autos, pode contribuir para atingir mais rapidamente o termo do processo e, com ele, a definição de todas as questões que constituem o seu objeto, necessariamente ligadas a uma relação de laboral de despedimento. Sendo assim, não existe razão aparente fundada para admitir uma diferença de prazo como a existente. No caso, o critério escolhido pelo legislador ( i. e. , o facto de a decisão em causa pôr termo ou não ao processo) não colide, prima facie , com a Constituição. Porém, a aplicação desse critério para efeitos de diferenciação do prazo de recurso entre a decisão que conhece, no saneador, de todas as questões de mérito, pondo termo aos autos, e a decisão onde apenas parte das questões foram objeto de conhecimento no saneador conduz a um resultado contrário à própria razão que justifica a diferenciação de prazos. Se existe conhecimento, no saneador, de questões de mérito, quer elas representem apenas parte ou a totalidade dos pedidos formulados nesse processo, este despacho constitui a decisão final daqueles pedidos naquela instância. Se houver uma só questão que, por apresentar maior complexidade, exija o prosseguimento dos autos, o prazo para recorrer da decisão (final) que, no saneador, conheceu das questões (necessariamente simples) é de 10 dias. Paradoxal- mente, se todas as questões a decidir nos autos se apresentarem de solução simples, o recorrente dispõe do prazo mais amplo, de 20 dias, para recorrer da decisão, proferida no saneador, apenas por, neste caso, aquele despacho pôr termo ao processo. Em ambos os casos, as questões concretas decididas no saneador podem ser em tudo semelhantes, e ter a natureza de decisões finais de pedidos formulados nos autos, no entanto, porque num caso foram suscitadas outras questões e em outro não, os prazos de recurso relativamente às matérias conhecidas em ambos os recursos (que, repete-se, podem ser substancialmente iguais) são diferentes. Com esta interpretação, interessados a quem a decisão é tão ou mais desfavorável ficam sujeitos a prazos mais reduzidos de recurso, enquanto outros, em idêntica ou menos desfavorável situação, gozarão de prazos mais alargados perante decisões similares.
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