TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
237 acórdão n.º 266/15 Na verificação da conformidade constitucional destas diferenciações, deve começar por recordar-se que, precisamente em obediência ao princípio da igualdade, a ampla margem de discricionariedade concedida ao legislador na conformação do direito ao recurso nestes ramos do direito tem como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante (cfr. entre muitos outros, Acórdão n.º 202/99, ponto II., n.º 2). Importa, assim, procurar a razão da diferenciação, e encontrada esta, verificar a sua razoabilidade à luz de critérios constitucionalmente relevantes. Como ainda recentemente relembrado no Acórdão n.º 2/15, n.º 7, «enquanto norma vinculativa da atuação do legislador, [o princípio da igualdade] não lhe veda o estabelecimento de diferenciações de tratamento tout court, mas apenas de diferenciações de tratamento desprovidas de uma fundamentação ou justificação razoável. O princípio da proibição do arbítrio, enquanto vínculo negativo de controlo, basta-se com a existência de uma ligação objetiva e racionalmente comprovável entre os objetivos subjacentes à escolha legislativa e a diferenciação estabelecida, à luz de “critérios de valor objetivo constitucionalmente relevantes” (cfr., entre muitíssimos outros, os Acórdãos n. os 39/88, 352/91, 187/01, 546/11, 69/14, 560/14, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) ». 25. Ora, no que respeita ao primeiro nível de comparação identificado (i), facilmente se descortina a razão de ser da diferença de tratamento definida pelo legislador. Ela reside, mais uma vez, na exigência de simplicidade das questões que podem ser conhecidas na fase mais precoce do processo. Se as questões são simples ao ponto de permitirem o seu conhecimento antes do julgamento, em sede de saneador, bem se compreende que o prazo para impugnar, por via de recurso, a decisão assim proferida represente também um encurtamento relativamente ao prazo de interposição de recurso de uma decisão que só encontrou condições de ser proferida uma vez percorrido todo o processado e realizado o julgamento. A diferença em análise (diferenciação do prazo de recurso de uma decisão que conhece de mérito no saneador, sem pôr fim ao processo e o prazo de recurso de uma decisão de mérito proferida no termo dos autos, com desenvolvimento de todo o processado previsto) encontra justificação no diferente grau de difi- culdade das questões a decidir, em harmonia com a configuração do processado. A desigualdade de trata- mento é, neste caso, consentida por o critério de distinção erigido pelo legislador se compatibilizar com os objetivos da lei, encontrando-se em consonância com o sistema jurídico à luz dos princípios constitucionais que conformam o Estado de direito. 26. Mais problemático se afigura, todavia, ser o segundo nível de comparação identificado (ii) . Desde logo, porque o alargamento da comparação a um universo mais vasto, compreendendo vários processos, ainda que do mesmo tipo e seguindo a mesma forma, complexifica a análise. Que razão sobrará para explicar a previsão de um prazo mais alargado para recorrer da decisão que conhece, no saneador, de todas as questões de mérito (por todas elas se apresentarem necessariamente como sendo de solução simples), pondo por conseguinte termo aos autos, por comparação com aquele outro processo em que só parte das questões foram objeto de conhecimento no saneador? E o que dizer quando todas as questões relativas ao despedimento são alvo de conhecimento no saneador, mas o processo continua apenas devido a questões suscitadas na reconvenção? Aqui chegados é inevitável concluir que o legislador optou por utilizar como critério diferenciador entre os prazos o facto de a decisão em causa pôr termo, ou não, ao processo. Optou por esse critério em detri- mento de outros, como o da natureza da decisão, para admitir uma maior amplitude no prazo de interposi- ção de recurso. É a razoabilidade da diferenciação com base nesta justificação que deve ser objeto de análise. Não se ignora que, optando por este critério, o legislador se limitou a instituir vias de solução diferentes para situações também elas diferentes, alargando o prazo do recurso apenas àqueles a quem a decisão judicial põe termo ao processo. No entanto, apesar de as situações serem diferentes, elas podem apresentar semelhanças significativas, desde logo porque sempre que existe conhecimento, no saneador, de questões de mérito, este despacho se torna uma decisão que decide, a final, para aquela instância, aquela matéria.
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