TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
224 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Sendo certo que, como se explana no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 279/00 (Proc. n.º 343/99 – Vítor Nunes de Almeida), “em regra, não se integra nos poderes do Tribunal Constitucional a interpretação do direito ordinário”, o mesmo aresto afirma: “se, para a resolução da questão de constitucionalidade equacionada nos autos, for indispensável proceder à interpretação do direito infraconstitucional, então, não o fazer equivaleria a deixar na competência do tribunal recorrido algo que a Constituição especificamente comete ao Tribunal Cons- titucional: administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional”. 10. O despacho saneador, que não pôs termo ao processo, cai nas previsões das alíneas d) e i) do n.º 2, do artigo 79.º-A do CPT, com a nota de que cai na previsão da mencionada alínea i) , na parte em que esta remete para a alínea h) , do n.º 2, do artigo 691.º do anterior CPC: “despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa”. 11. Ora, num e noutro caso, o prazo de recurso é de 10 dias, como impõe o artigo 80.º, n.º 2 do CPT – “nos casos previsto nos n. os 2 e 4 do artigo 79.º-A (…), o prazo para interposição de recurso reduz-se para 10 dias”. 12. Segundo o n.º 3 do artigo 139.º do CPC: “[o] decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato”. 13. Considerando que a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, veio introduzir alterações ao regime de recursos previsto no CPC, sem alterar o CPT, tal significa que o legislador manteve, deliberadamente, o teor deste Código neste domínio. 14. Neste sentido, deve entender-se que, não obstante a referida Lei de 2013 ter deslocado e reformulado o artigo 691.º do CPC, este artigo continua a aplicar-se, tal como vigorava antes da reforma do CPC de 2013, operando-se o fenómeno de sobrevigência daquele preceito, independentemente de estar revogado. 15. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de abril de 2014 (Proc. n.º 513/13.4TTCBR.C1 – relator Ramalho Pinto): “(…) em sede de processo laboral, e dado que a redação do artigo 79.º-A do CPT não foi objeto de alteração, o artigo 691.º do anterior CPC mantém-se em vigor, em detrimento do artigo 644.º do Novo CPC, pelo que aquela remissão sempre se deverá considerar feita para tal artigo 691.º” 16. As instâncias adotaram uma técnica interpretativa distinta: o Mmo. Juiz da Secção do Trabalho de Matosi- nhos considerou que a referência do CPT devia ser feita para o artigo equivalente da nova versão do CPC – o artigo 644.º –, ao passo que o Tribunal da Relação do Porto entendeu que se deveria proceder a uma interpretação corre- tiva do CPT, entendendo que a norma revelada pelo mencionado artigo 644.º se “incorporou” na norma remissiva. 17. Ponto é que, recorrendo a uma ou outra técnica – i. e. à consideração da ultratividade de preceito revogado do CPC ou a uma interpretação atualista (evolutiva ou corretiva) da remissão feita pelo CPT – a solução alcançada é uma: o prazo de interposição de despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, conheça do mérito da causa é de 10 dias. 18. É insofismável que o despacho em referência não pôs termo ao processo, não caindo, destarte, na previsão do n.º 1 do artigo 79.º-A do CPT. 19. Não impressiona a invocação que o recorrente faz (da segunda parte) do n.º 3 do artigo 595.º do CPC, segundo o qual “na hipótese [de o despacho saneador se destinar a conhecer imediatamente do mérito da causa] fica [o despacho saneador de mérito] tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença”. 20. Sem prejuízo da equiparação estabelecida pelo n.º 3 do artigo 595.º do CPC, em matéria recursória, o despacho saneador de mérito (quando não ponha termo à causa) é individualizado face à sentença. 21. No âmbito do processo laboral, a referida individualização importa uma consequência de regime: a comi- nação de prazo especial para a interposição do respetivo recurso de apelação. 22. O n.º 3 do artigo 595.º do CPC recorre à técnica da ficção legal. 23. Seguindo a lição de Miguel Teixeira de Sousa, “[a]través das ficções legais o legislador ficciona que duas realidades distintas são idênticas, ou seja, o legislador equipara uma realidade a outra realidade para permitir a aplicação a ambas da regra que regula uma destas realidades. As ficções legais operam através de um ‘como se’”. De modo análogo, Sandra Lopes Luís escreve: “O objetivo das ficções é aplicar a um facto diferente as consequências jurídicas de outro facto. (…) nas ficções sabe-se que os factos são diferentes, embora sejam tratados como iguais pelo Direito (…)”. 24. José de Oliveira Ascensão preconiza que o mecanismo em referência “[é] um mau processo, porque o que na realidade é diverso, diverso continua”.
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