TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

21 acórdão n.º 377/15 26.º Ainda que a discrepância se refira apenas aos bens declarados ou que devam ser declarados, uma vez que a conduta punida é a mera aquisição, posse ou detenção, resulta que a presunção da prática do crime é inerente ao próprio tipo penal. 27.º De resto, a norma, tal como desenhada, coloca o arguido em posição de ter de provar a licitude da origem do património, o que não diverge do que ocorria a propósito do enriquecimento ilícito, em aparente violação da garantia constitucional contra a auto incriminação ( nemo tenetur se ipsum accusare ). Isto agravado pela não previsão expressa da possibilidade de tal prova. 28.º Assim desenhado o tipo criminal, dele parece resultar a presunção da prática do crime bem como a inversão do ónus da prova, em violação do princípio constitucional de presunção de inocência, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 179/12. 29.º Poder-se-ia sustentar, é certo, que a norma evoluiu no sentido de a referida incompatibilidade dizer apenas respeito aos rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados. 30.º Deste modo, seria punida apenas a discrepância da declaração com o património e não já a sua aquisição, posse e detenção. 31.º Fosse tal o caso e sempre se afiguraria inconstitucional a norma por violação do princípio da legalidade penal na sua vertente tipicidade na medida em que, ao referir a aquisição, posse ou detenção, estaria a conferir à norma uma indeterminação, como já sublinhado, inconciliável com aqueles princípios. 32.º Acresce que a incriminação da incompatibilidade entre a declaração e o património já existe no ordenamento jurídico português, pelo que seria incompreensível – e inconstitucional – esta redundância normativa por violação do princípio da necessidade, previsto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. 33.º Na verdade, uma tal interpretação conduziria o intérprete para o domínio dos crimes fiscais como a fraude fiscal. Ou, no limite, para o domínio de crimes como o crime de branqueamento de capitais (artigo 368.º-A do Código Penal), perda de vantagens (artigo 111.º do Código Penal) e perda de bens/confisco (artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro – Medidas de Combate à Criminalidade Organizada), tal como expressamente refe- rido pelo Tribunal no Acórdão citado. 34.º Assim, das duas uma: ou o crime de enriquecimento injustificado ganha autonomia relativamente a crimes fiscais e padece das dificuldades assinaladas ou não se distingue de outros crimes, inexistindo razão substancial para a sua manutenção, o que sempre violaria, entre outros princípios, o da proporcionalidade na vertente necessidade.

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