TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

204 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencida quanto ao juízo de inconstitucionalidade constante da alínea c) da decisão e não acompa- nhei os fundamentos que conduziram ao juízo constante da alínea b) . 1. A questão de constitucionalidade colocada, neste processo, ao Tribunal, consistia no problema de saber se a CRP impediria que estrangeiros residentes em Portugal (e oriundos de países outros que não membros da União Europeia) só pudessem aceder às prestações de Rendimento Social de Inserção uma vez completados três anos de permanência (de “residência legal”) em território português. O Tribunal, após ter seguido uma argumentação que convocou para o caso o princípio da equiparação entre estrangeiros e nacionais (artigo 15.º da Constituição), o direito a um mínimo de existência condigna decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º) e o direito à segurança social (artigo 63.º), acabou por proferir um juízo de inconstitucionalidade fundado no princípio da proporcionalidade. Quer isto dizer que se entendeu que o prazo de três anos era excessivo (o princípio da proporcionalidade é também conhecido, na jurisprudência constitucional portuguesa como em muitas outras, nacionais e supra- nacionais, como princípio da proibição do excesso), uma vez que “tal opção” – a de exigir um mínimo de três anos de residência legal em Portugal para estrangeiros que pretendessem aceder às prestações de RSI – “ating[iria] cidadãos em situação de grave vulnerabilidade, sem meios imediatos para satisfazer as exigências vitais do agregado familiar”, e que, “[p]onderando, associadamente, a pouca relevância da despesa de RSI no orçamento global da Segurança Social e o peso diminuto dos gastos com a concessão de RSI a não nacionais, [se] torna[ria] evidente a desproporção desta solução”. Dissenti deste juízo. 2. O princípio da proporcionalidade, enquanto limite jurídico das ações do legislador, encontra apoio textual no artigo 18.º, n.º 2, parte final, da Constituição. Aí se diz que as restrições, introduzidas por lei, a direitos, liberdades e garantias devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. As implicações que daqui decorrem são, no essencial, duas: em primeiro lugar, daqui decorre que as medidas legislativas que restringem direitos, liberdades e garantias não são, só por isso, inconstitucionais; segundo, daqui decorre que o serão, se, entre outras exigências – definidas nos outros lugares do artigo 18.º – se não limitarem ao necessário para realizar outros direitos e interesses que a Constituição também proteja. 3. Assim definido, este princípio habilita o Tribunal a proferir um juízo de invalidade de uma lei desde que se siga um percurso metódico marcado por dois passos essenciais. Primeiro, é necessário que se afira com rigor qual o grau e natureza da afetação de direitos que a medida legislativa introduziu. A Constituição fala em “restrições [legais] a direitos, liberdades e garantias”, ou seja, a direitos fundamentais que, por terem um conteúdo que é determinado pela própria CRP, detêm, por condição e natureza, força de resistência à lei. Em muitas das suas decisões tem o Tribunal entendido que o juízo de proporcionalidade que a Constituição o habilita a fazer também pode ser aplicado a outras situações – de afetação de direitos que não tenham esta especial natureza de resistência à lei –, uma vez ser a exigência de “justa medida” dos atos estaduais (de todos eles) uma ilação geral da ideia de Estado de direito, consagrada no artigo 2.º da CRP. Porém, tal não elimina a necessidade de se saber ao certo qual o grau de proteção jurídica de que goza o direito que foi afetado (se se trata de um direito fundamental ou não) e qual a natureza dessa afetação (se se trata de uma restrição ou não), porquanto de tal depende a intensidade do escrutínio que o Tribunal deve aplicar às medidas do legisla- dor tidas eventualmente como “desproporcionais”. Tratando-se de medidas legislativas restritivas de direitos, liberdades e garantias, a intensidade do escrutínio jurisdicional, especialmente legitimado pelo artigo 18.º, n.º 2, será necessariamente maior do que na situação em que esteja em causa um juízo de proporcionalidade fundado apenas no artigo 2.º da CRP. Assim, e por estes motivos, o primeiro passo a empreender, quando se

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