TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

16 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dos diferentes standards  de julgamento que deles emirjam, não pode fazer perder de vista a unidade substancial e valorativa em que todos eles [estes princípios] se encontram, unidade essa que ocupa, numa ordem constitucional como a nossa, que favorece a liberdade, um lugar primordial. V – O facto de o legislador, no n.º 2 do artigo 335.º-A, ter decidido identificar os valores que, em seu entender, justificam a incriminação – por serem aqueles que, ainda segundo o seu entendimento, as condutas agora puníveis lesam – não dispensa o Tribunal de averiguar se, no caso, se cumpriram ou não os padrões que legitimam a constitucionalidade das normas incriminadoras. VI – Ao considerar-se punível a verificação de uma mera variação patrimonial, ou uma incongruência entre duas grandezas – o património «tido» e o sujeito a declaração – deixa-se por identificar o con- creto «comportamento», comissivo ou omissivo, ao qual se associa o juízo de desvalor penal, pelo que perante uma tal deficiência na construção legislativa do tipo, fica-se logo sem saber em que é que consiste, com o mínimo de determinação exigível, o facto voluntário punível, de modo a que com a previsão penal se possam harmonizar os comportamentos dos cidadãos. A descrição da infração crimi- nal, deste modo feita pelo Decreto da Assembleia, não cumpre as exigências decorrentes do princípio constitucional de  lex certa , textualmente sediado no n.º 1 do artigo 29.º da Constituição. VII – Em segundo lugar, permanecem incertezas e dúvidas quanto ao sentido que deva ser atribuído aos requisitos dos quais depende o preenchimento do tipo criminal, ou, o que é dizer o mesmo, relativa- mente às condições que devem estar reunidas para que, considerando-se perfeito o crime, quanto a ele se possa deduzir acusação. Sendo dois os elementos da infração – (i) património adquirido, possuído ou detido; (ii) incompatibilidade entre este e o sujeito a declaração – parece certo que o cerne da cen- sura penal estará na verificação da «incompatibilidade» entre as duas grandezas, porém não há certezas quanto ao que se deva entender por tal «incompatibilidade». VIII– Acresce que o âmbito da incriminação, assim tão incertamente definido, é de tal modo amplo que poderá abranger situações de vida muito heterogéneas, e às quais não será legítimo associar um único e indiferenciado juízo de desvalor jurídico, tornando, também ela, incompreensível o sentido da incri- minação; assim, ainda por este motivo a norma incriminadora não logra definir, com a clareza que o n.º 1 do artigo 29.º da Constituição exige, em que é que consiste o objeto da punição. IX – A conclusão, que só por si será suficiente para demonstrar que o novo tipo incriminador se não con- forma com as exigências constitucionais que o legitimariam, tem no entanto consequências que se repercutem no incumprimento dos demais princípios que ao caso são aplicáveis. X – Desde logo, na formulação do tipo criminal e pelo modo como ele foi construído contrariou-se o princípio da presunção de inocência, entendido, na sua dimensão substantiva, enquanto vínculo do próprio legislador penal. XI – Por outro lado, perante a formulação do tipo incriminador torna-se igualmente impossível divisar qual seja o bem jurídico digno de tutela penal que justifica a incriminação. Criminalizar uma mera variação patrimonial entre duas grandezas, o património detido e aquele outro sujeito a declaração, significa optar por uma medida de política criminal de tal modo imperfeitamente desenhada que a partir dela se não consegue vislumbrar qual seja verdadeiramente a «conduta» humana objeto da censura jurídico-penal; em tais circunstâncias, nas quais se encontra comprometida a própria possibilidade de

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