TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Começo por discordar do entendimento seguido no Acórdão quanto ao sentido interpretativo a atribuir ao artigo 18.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro. O artigo 14.º, n.º 1, desse diploma determina que as empresas públicas se regem, em geral, pelo direito privado, com a consequente sujeição às disposições do Código do Trabalho em matéria de relações laborais. Ao estipular para os titulares de órgãos de administra- ção e de gestão e os trabalhadores das empresas públicas a aplicação do regime especialmente previsto para os trabalhadores em funções públicas, no que se refere ao abono do subsídio de refeição e de ajudas de custo e à retribuição por trabalho suplementar e trabalho noturno, os n. os 1, 2 e 3 desse artigo 18.º estão a remeter para as disposições substantivas que especificamente regulam essas matérias no âmbito da relação jurídica de emprego público, com a necessária derrogação do regime laboral de direito privado que seria aplicável. Ao estabelecer ainda, no n.º 4, para o regime fixado nesse artigo um caráter de imperatividade e de prevalência sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, tal significa a derrogação tácita de quaisquer disposições legais ou convencionais já existentes que instituam um regime jurídico diferente e a impossibilidade de as partes, para futuro, convencionarem um outro regime por via da contratação coletiva. As normas imperativas, no sentido técnico jurídico corrente em direito laboral, integram o estatuto legal da relação laboral, caracterizando o conjunto de normas legais que não podem ser preteridas por quaisquer outras disposições (de regulamentação coletiva ou de contrato individual), e contrapõem-se às normas suple- tivas, que se relacionam com o estatuto contratual e poderão ser afastadas por uma fonte de valor hierárquico inferior ou por estipulação individual e ainda pelas normas dos instrumentos de regulamentação coletiva que estabeleçam condições mais favoráveis para os trabalhadores. E, sendo assim, não faria sentido que a remissão para o regime da relação jurídica de emprego público, a que se atribui um efeito de imperatividade, devesse entender-se como feita para as correspondentes disposições substantivas e para o próprio regime de contrata- ção coletiva que essas disposições viessem a consentir, precisamente porque, não estando em causa uma mera norma supletiva, não seria possível substituir o conteúdo normativo para que é diretamente feita a remissão por outras disposições de natureza convencional. E isso mesmo é o que decorre literalmente do disposto no n.º 4 do artigo 18.º quando aí se explicita que o regime fixado nesse artigo não só prevalece sobre «quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho», como «não [pode] ser afastado ou modificado pelos mesmos», sendo claro que este último inciso se reporta, não ao caráter prevalecente do regime – que apenas imporia que se sobrepusesse às disposições legais e convencionais preexistentes –, mas à sua própria natureza imperativa – que impede que futuros instru- mentos de regulamentação coletiva de trabalho possam preterir (afastando ou modificando) o regime legal. Esse é, aliás, o sentido interpretativo mais consentâneo com o elemento racional da interpretação jurídica e com a função positiva do texto da lei, visto que se o legislador pretendesse remeter para as normas designativas do direito aplicável, bastar-lhe-ia mandar aplicar o regime específico do vínculo de trabalho em funções públicas (que já incluiria as normas substantivas e o correspondente regime de contratação coletiva), sem necessidade de atribuir às normas remissivas a natureza imperativa. Esta qualificação, por si só, evidencia que a finalidade da lei é o de instituir um regime legal que é, em si, incompatível com uma outra regulação que resulte da contratação coletiva. Partindo deste sentido interpretativo, que parece ser o único possível, o artigo 18.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 133/2013 não se limita a condicionar o direito à contratação coletiva, mas impede efetivamente o exercício desse direito em matérias que poderiam ser objeto de negociação coletiva [artigo 350.º, n.º 1, alínea f ) , da Lei Geral do Trabalho], além de que efetua uma restrição ao conteúdo essencial do direito fundamental em termos que violam o princípio da proporcionalidade. Bastando para tanto considerar que a alteração do regime legal, por via da contratação coletiva, só poderia ser obtida por acordo das partes e com base na realização de interesses que aos membros do Governo com legitimidade representativa sempre lhes caberia prosseguir. No mais e quanto às questões que o direito à contratação coletiva coloca, remeto para a declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 794/13, em que se discutia situação similar. – Carlos Alberto Fernandes Cadilha.

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