TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da prestação laboral apenas vale para a retribuição em sentido próprio, não abrangendo, por exemplo, as ajudas de custo, outros abonos, bem como o pagamento de despesas diversas do trabalhador (neste sen- tido, quanto à garantia infraconstitucional da irredutibilidade salarial, vide Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, II, Situações laborais individuais, Almedina, 4.ª edição, 2010, pp. 576 e 588, e Acórdão n.º 396/11). Já no que diz respeito aos acréscimos pecuniários devidos pela realização de trabalho suplementar e noturno, trata-se de prestações remuneratórias que, apesar de não disporem do caráter de habitualidade ou regularidade que tipicamente caracteriza a prestação retributiva, em sentido técnico-jurídico, e de não integrarem por essa razão, pelo menos de forma direta e necessária, o conceito qualitativo de retribuição (cfr. Acórdão n.º 187/13), não deixam ainda assim de ser qualificados como suplementos remuneratórios e, mais relevantemente ainda, de corresponder à contrapartida devida pelo trabalho efetuado. A possibilidade da sua recondução ao domínio material de incidência da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição – e, por consequência, ao âmbito da reserva constitucional de convenção coletiva – é, assim, mais evidente. Simplesmente, e apesar disso, a verdade é que a imperativa aplicação do regime legal neste âmbito previsto para os trabalhadores com vínculo de emprego público, determinada pelo artigo 18.º, n. os 2, 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 133/2013, não origina, como se viu, a subtração ao âmbito da contratação coletiva da possibilidade de conformação do valor dos acréscimos pecuniários devidos pela prestação de trabalho suple- mentar e noturno. Porque o regime legal aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público não é, conforme igualmente visto, em si mesmo inderrogável, o resultado a que aquela aplicação imperativa conduz é apenas o de sujeitar a possibilidade de autorregulamentação contratual do valor da retribuição devida aos trabalhado- res das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades dos setores empresariais local e regional aos requisitos que, agora sob incidência da LTFP, condicionam a derrogabilidade das normas legais naquelas matérias aplicáveis: tal derrogabilidade deixa de depender apenas da vontade dos trabalhadores de determinada empresa pública e dos titulares dos seus órgãos de administração ou de gestão, para passar a depender também da prévia celebração de um acordo de carreira, geral ou especial, bem como da intervenção dos membros responsáveis da Administração central, local ou regional com poderes de supervisão ou de tutela. 22. Para além de não ter o significado de eliminar o direito à contratação coletiva enquanto fonte da normação aplicável à fixação da retribuição devida pela prestação de trabalho noturno e suplementar, este condicionamento pode ser sem dificuldade reconduzido à necessidade de tutela de determinados interesses públicos relevantes, suscetíveis de postular naquelas matérias uma uniformização de procedimentos. Conforme se viu já resultar da jurisprudência deste Tribunal, a convocação, como “ponto de apoio argumentativo”, das “razões de ordem pública que vão imbricadas na imperatividade” de certos aspetos do regime laboral, é, no domínio natural do Direito do Trabalho, idónea para afastar a ilegitimidade constitu- cional da decisão que subtrai a conformação dos procedimentos ai regulados à “disponibilidade das partes” (cfr. Acórdão n.º 94/92). Se assim é no domínio da regulação das relações estabelecidas entre sujeitos tradicionais de direito pri- vado, por maioria de razão o há de ser no âmbito da modelação de certas dimensões do estatuto dos agentes com vínculo a entidades que, não obstante deterem personalidade jurídica de direito privado e a este se encontrarem em regra submetidas, não deixam, porém, de estar concomitantemente sujeitas a determinadas vinculações jurídico-públicas, quer em razão do interesse público para cuja prossecução se encontram voca- cionadas, quer por efeito do exercício das prerrogativas de autoridade, designadamente de incidência econó- mica e financeira, legalmente atribuídas às entidades com poderes de supervisão e tutela (cfr. artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, artigos 12.º e 13.º do Decreto Legislativo Regional n.º 7/2008/A e artigos 10.º e 11.º do Decreto Legislativo Regional n.º 13/2010/M).

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