TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

120 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Todavia, pese embora a ausência de modificação direta e imediata do ordenamento jurídico, sustentam os requerentes que, por introduzir a hipótese de virem a ser determinadas por lei alterações excecionais ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e enti- dades do setor empresarial local e regional, o n.º 2 do artigo 14.º Decreto-Lei n.º 133/2013 condiciona e predetermina o sentido das posteriores escolhas legislativas, definindo uma orientação programática geral incompatível com o princípio da proteção da confiança inscrito no artigo 2.º da Constituição. Vejamos se assim é. 8. A primeira nota a salientar com vista a apurar o sentido e alcance da proposição contida o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, é a de que entre tal proposição e a “lei” que vier a fixar “normas excecionais, de caráter temporário, relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titu- lares de órgãos sociais e dos trabalhadores” das entidades pertencentes ao setor empresarial estadual, local e regional, ali referidas, não se verifica qualquer uma das relações de subordinação ou dependência entre atos legislativos perspetivadas no n.º 3 do artigo 112.º da Constituição. A Constituição tipifica, neste preceito, a categoria dos atos normativos correspondente às leis com valor reforçado, na mesma incluindo, a par das leis orgânicas e das leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, as leis que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas. Conforme salienta a doutrina, as leis que, por força da Constituição, são consideradas pressuposto nor- mativo necessário de outras leis são aquelas que constituem uma condição: i) do exercício de uma competên- cia legislativa por parte de outro órgão; ii) de delimitação do âmbito do exercício dessa competência; e iii) de definição de parâmetros materiais a observar pelo ato legislativo (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 60). Estas características, que se verificam nas leis de autorização e nas leis de bases, não são evidentemente partilhadas por proposições contidas em ato legislativo que, para além de revestir desde logo a forma de decreto-lei, e não de lei formal parlamentar, incide sobre matéria sob reserva relativa da Assembleia da República [cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea u) , da Constituição], tendo sido por isso ele próprio emanado pelo Governo ao abrigo de uma autorização concedida por aquele órgão (Lei n.º 18/2013, de 18 de fevereiro). Na medida em que a única relação de dependência ou subordinação constitucionalmente configurável entre uma lei e um decreto-lei é justamente a inversa daquela que vem pressuposta – isto é, é aquela que, excecionando o princípio geral da paridade de forma e valor entre leis e decretos-lei, atribui supremacia hie- rárquica a certas das primeiras (leis de valor reforçado) –, o n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, para além de não ter conteúdo material imediato, não cria, não incrementa, nem por qualquer modo amplia a possibilidade de, no exercício da respetiva competência legislativa, a Assembleia da República vir a emitir normas excecionais relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares de órgãos sociais e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maio- ritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional. Não constituindo pressuposto ou condição da possibilidade de tal emissão, a proclamação contida no n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 133/2013 não é obviamente configurável, nem como uma norma de competência, que habilite ou pretenda habilitar o legislador parlamentar a editar normas relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais ou trabalhadores das entidades integradas no setor empresarial estadual, local e regional ali referidas, nem tão pouco como uma norma material de indirizzo político-legislativo, com vocação para modelar ou conformar o sentido ou a estrutura de quaisquer prescrições ou injunções a editar naquele domínio pela Assembleia da República, ou legitimada a definir os termos em que tais prescrições, uma vez editadas, haverão de relacionar-se com as normas de direito privado que ali regem em primeira linha.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=