TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL lei pode regular o direito de negociação e contratação coletiva – delimitando-o ou restringindo-o –, mas deixando sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto a essa negociação. Ou seja: pelo menos, a lei há de garantir uma reserva de convenção coletiva”. Na verdade o direito em apreço é imediatamente reconhecido pela Constituição e não um direito derivado da lei». 12. O objetivo da norma cuja constitucionalidade se questiona é o de assegurar a efetividade das alterações legislativas, impedindo que paralelamente ao regime que pretendem instituir sobrevivam regimes anteriores ou surjam novos regimes, coletivamente contratualizados e mais favoráveis aos trabalhadores, operando-se assim uma sobreposição das novas disposições legais às integradas nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, anteriores e posteriores à sua entrada em vigor. 13. Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho são expressão maior da autonomia coletiva, expressamente reconhecidos como uma fonte específica no âmbito do direito do trabalho, disciplinando o contrato de trabalho, podendo afastar normas legais neste âmbito, exceto quando estas sejam imperativas. 14. Os conflitos decorrentes da sucessão de normas legais no tempo são resolvidos por regras especiais de direito transitório ou, subsidiariamente, pelas regras gerais, inscritas no artigo 12.º do Código Civil que consagra o princípio da não retroatividade – de acordo com este princípio, a lei nova seria aplicável aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e aos contratos de trabalho em vigor, ressalvando-se contudo, os efeitos já produzidos e as situações jurídicas já constituídas. 15. Assim, é necessário avaliar, em relação a cada um dos preceitos que compõem a norma que se questiona, se o respetivo objeto material integra a reserva de convenção coletiva, isto é, o núcleo fundamental daquele direito, determinado em função dos artigos 56.º/1, 58.º e 59.º da Constituição e, em caso afirmativo, submeter aos requi- sitos de admissibilidade constitucional das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, previstos nos artigos 18.º/2 e 3 da Constituição, bem como se estamos perante uma violação da proteção da confiança. 16. Também no já citado Acórdão n.º 602/13 se refere que “a fixação das remunerações dos trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho é um campo especialmente aberto à autonomia da vontade e, assim, à regulamentação coletiva”. 17. As matérias aqui tratadas não são consideradas como integrando um regime caracterizado pela sua injun- tividade, pelo contrário, integram-se no conjunto de matérias que, pela sua direta conexão com os direitos do trabalhador, especialmente regulados no artigo 59.º da Constituição, possuem uma vocação particularmente dire- cionada para serem objeto de negociação coletiva. 18. Não estando em causa a definição de balizas de regulação, mas uma verdadeira supressão, para o presente e o futuro, de matérias ao âmbito da negociação coletiva, num domínio especialmente vocacionado para a auto- nomia das partes, afigura-se que estes preceitos ultrapassam em muito a simples regulamentação do direito de contratação coletiva e invadem o seu âmbito de proteção. 19. Na verdade, em algumas empresas e categorias profissionais, a aplicação do regime previsto neste Decreto- -Lei resultaria numa redução de cerca de 30% a 40% de redução dos rendimentos reais desses trabalhadores. 20. Neste caso concreto a lei invade, de forma desnecessária e desadequada, aquilo que compõe o conteúdo essencial da negociação coletiva, derrogando de forma imperativa as normas convencionais em vigor e vedando às partes a possibilidade de futuramente estabelecerem negociações sobre aquelas matérias. 21. No extenso preâmbulo que antecede este diploma não são apresentadas razões preponderantes de interesse público nas quais se possa fundar esta restrição do direito de negociação e contratação coletiva, não sendo sequer indiciada, quanto mais provada, a indispensabilidade desta medida para assegurar o cumprimento de um outro interesse constitucionalmente protegido, pelo que concluímos pela violação do princípio da proibição do excesso, inscrito no número 2 do artigo 18.º da Constituição. 22. Quanto à aplicação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, dificilmente podemos acei- tar que os destinatários das normas podiam expectavelmente contar com esta mutação da ordem jurídica, pois o Estado tomou comportamentos que em muito elevaram a confiança destes particulares na manutenção do quadro legal vigente. Cumpre aqui recordar que o Estado, através do Governo, se assumiu como contraparte na negociação coletiva, pelo que as expetativas são, especialmente elevadas e intensas.
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