TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
100 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em encontrar um justo equilíbrio dos interesses em jogo. Tratando-se de uma comissão administrativa, não de um tribunal, a sua composição por magistrados judiciais visa importar para aquela Comissão uma parti- cular cultura profissional de isenção, imparcialidade, independência e o saber, apurado pela longa experiência profissional, da aplicação do direito à luz dos princípios fundamentais do sistema jurídico, incluindo o da proporcionalidade. Aliás, é precisamente no n.º 2 do artigo 78.º do Decreto n.º 426/XII que repousa a chave do respeito pela proporcionalidade em cada concreta autorização a conceder, pois ali se prevê a aplicação do princípio, em cada adjetivação de pedidos de acesso formulados pelos Serviços de Informações. Acresce que, considerando o momento de atuação do SIRP, o legislador terá sentido grande dificuldade, ou mesmo encontrado barreira intransponível, na construção de um controlo jurisdicional (isto é, propria- mente, por um tribunal), num momento em que não existe e poderá não vir a existir processo judicial. E a solução que encontrou – que copia soluções existentes em diversos países da União Europeia, caso da Alemanha e do Reino Unido (cfr. Carlos Ruiz Miguel, “Problemas Actuales del Derecho de los Servicios de Inteligência”, in Anuario de Derecho Constitucional Y Parlamentário , ano 2003, n.º 15, p. 166) –, a solução encontrada, dizíamos, num compromisso possível com os interesses em jogo, consistiu na criação de uma comissão administrativa (mas de feição para-judicial) que, na maior medida possível, replicasse o sentido profundo do controlo que, na sua dimensão mais literal, o n.º 4 do artigo 34.º entrega aos tribunais. Preci- samente a respeito da natureza de uma entidade de controlo do acesso aos dados de tráfego, salienta-se que o acórdão, já referido neste texto, do Tribunal de Justiça no caso Digital Rights Ireland, Ltd (C-293/12), decisão de 8 de abril de 2014 – que invalidou a Diretiva n.º 2006/24/CE, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações – este Acórdão, dizíamos, tomou posição expressa no sentido do controlo prévio não ter que assumir, necessariamente, natureza jurisdicional, apontando a necessidade de “[…] um controlo prévio efetuado por um órgão jurisdicional ou por uma entidade administrativa independente cuja decisão vise limitar o acesso aos dados e a sua utilização ao estritamente necessário para se alcançar o objetivo prosseguido e ocorra na sequência de um pedido fundamentado destas autoridades, apresentado no âmbito de procedimentos de prevenção, de deteção ou de uma ação penal […]” (trecho do ponto 62 do Acórdão; destaque acrescentado), condições que o Decreto ora em apreciação, ao prever a Comissão de Controlo Pré- vio (e ao estabelecer os termos da respetiva atuação) assegura. Por fim, não se esquecendo a profundidade com que o Tribunal tem entendido a necessidade de con- trolo da informação resultante da interceção de comunicações, não se pode deixar de notar que nem todas as exigências implicadas na realização de escutas (cfr., designadamente, os Acórdãos do Tribunal n.º 426/05 e n.º 4/06) fazem sentido quando apenas estão em causa os dados de tráfego. Ali, importa atentar no con- teúdo das informações, para o mais rapidamente possível aferir da sua relevância, eliminando rapidamente o resultado lesivo (isto é, destruindo as escutas) na parte inútil, precisamente por respeito ao princípio da proporcionalidade, momentos e necessidades que não se reproduzem quando apenas estão em causa dados de tráfego. Tudo visto e sopesado, afigura-se que a solução encontrada pelo legislador implica, usando o critério do Acórdão n.º 187/01, efeitos restritivos ou lesivos que se apresentam, todavia, numa relação “calibrada” – de justa medida – com os fins prosseguidos, ponderando aqueles efeitos face às medidas possíveis, tudo à luz do reconhecimento e outorga ao legislador do “crédito de confiança” que lhe é devido. 12. Aqui chegado, retomando as questões/dúvidas formuladas pelo requerente no artigo 7.º do pedido de fiscalização, responder-lhes-ia nos seguintes termos: (1) à primeira questão – deve o acesso aos metadados considerar-se uma ingerência nas telecomunicações para os efeitos previstos na norma constitucional? – res- ponderia que o acesso aos dados de tráfego pelos oficiais de informações do SIRP, nos termos do artigo 78.º, n.º 2 do Decreto n.º 426/XII, constitui uma ingerência nas telecomunicações, sendo esta, todavia, permitida pela norma do n.º 4 do artigo 34.º da CRP, interpretada, através de uma redução teleológica, por forma a incluir a atividade dos Serviços de Informações, ao lado da atividade de investigação criminal, na exceção à
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