TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

76 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL parece infundado alegar que a residência efetiva, durante um período de tempo, em território nacional pode ser utilizada para demonstrar a existência de «laços de efetiva ligação à comunidade nacional». De qualquer forma, este argumento falha a questão central que é trazida ao Tribunal Constitucional. O problema de constitucionalidade colocado não depende a priori da pertença ou não à comunidade nacional ou dos laços que unem os portugueses. Passa, isso sim, pelo acesso a um direito fundamental social a uma prestação de subsistência. A titularidade de cidadania portuguesa, implicando – é certo – direito a residir em Portugal, bem como o direito de entrar e sair do país livremente, não implica o acesso incondicionado às prestações sociais. Nesse contexto, não parece excessivo que se exija a participação efetiva do cidadão nacional na vida em comunidade, comprovada pela sua residência, para poder aceder à prestação por ela concedida. A transferência de recursos entre cidadãos (os que contribuem para o Sistema de Segurança Social e os seus beneficiários) pode obrigar à demonstração de uma ligação efetiva e sustentada à comunidade que os transfere. De facto, até tendo em conta a grande percentagem de população portuguesa e europeia que se encontra a residir e a trabalhar fora do seu Estado de nacionalidade, existe uma crescente tendência no espaço europeu para definir o acesso a determinadas prestações sociais pelo critério da residência. Tem-se assistido a uma erosão da relação entre nacionalidade e o acesso a prestações sociais estaduais face a uma expansão do reconhecimento desse acesso a residentes não nacionais. O Acórdão rejeita toda esta área de discussão e parece ficar refém de uma conceção clássica, algo antiquada, de nacionalidade determinante de acesso a prestações sociais, ignorando a realidade atual. 4.2. O argumento relativo à interpretação da expressão “residência legal” utilizada no preceito em causa, que é rejeitado pelo Acórdão, também não releva para a discussão. O facto de a noção de “residência legal” ter um significado, para os cidadãos nacionais, que é distinto do significado para os restantes cidadãos europeus e para os outros cidadãos estrangeiros escapa ao objeto da questão de constitucionalidade colo- cada: a diferença de tratamento entre cidadãos nacionais. Mas mesmo que o legislador tenha utilizado uma expressão redundante ou incorreta pois, de acordo com o aresto «por definição, nenhum português poderá vir a encontrar-se em situação de residência ilegal em Portugal» (n.º 12), isso não serve para qualificar como inconstitucional a solução legal. A circunstância de um preceito ser redundante ou de utilizar incorretamente um adjetivo não o torna inconstitucional. Sempre restaria o requisito de residir em Portugal durante um determinado período de tempo. 4.3. O último argumento é o mais surpreendente. O Tribunal associa a questão objeto do pedido – o acesso ao direito fundamental a uma prestação social de subsistência – ao artigo 44.º, n.º 2, da Constituição, que garante o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar. Quero começar por deixar uma observação totalmente clara: este Acórdão representa uma inovação face à jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao princípio da igualdade – o que, em si mesmo, não implica uma valoração favorável ou desfavorável, mas deve ser assumido. Admite o presente Acórdão, inova- toriamente, a aplicação do nível de escrutínio mais denso, relativo à proibição de discriminação, previsto para as categorias identificadas no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição, às situações em que o tratamento diferen- ciado ocorre com base exclusiva no exercício de um direito fundamental. Seria o que aconteceria neste caso, perante uma diferença de tratamento entre cidadãos portugueses que teria como único fundamento o facto de alguns cidadãos terem saído do país e, posteriormente, a ele terem regressado. Desta forma, o Tribunal Constitucional alarga substancialmente a aplicação do nível de escrutínio mais exigente, sem se ater à evolu- ção recentemente ocorrida na sua jurisprudência relativa à construção do (designado) princípio da igualdade “proporcional”, sem assumir este alargamento como uma inflexão daquela jurisprudência e sem delimitar as suas consequências. Este último ponto impressiona-me especialmente por gerar incerteza e potenciar a imprevisibilidade das decisões do Tribunal. Mais uma vez, esta não é, porém, a questão essencial. O problema central prende-se com o facto de o Tribunal Constitucional tratar de uma matéria relacionada com um direito social – o direito de acesso

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