TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
75 acórdão n.º 141/15 Justiça da UE poderiam ser considerados no juízo de igualdade (ou de proporcionalidade) da medida, sem se ignorar, porém, que a sua relação com o tratamento dos restantes cidadãos europeus é apenas eventual. Não foi, todavia, esta a metodologia adotada. No Acórdão a questão relativa ao Direito da UE é tomada a priori, de uma forma prévia à questão de constitucionalidade como se sobre ela tivesse precedência ou dela fosse desligada – o que não ocorre. Na medida em que não concluo pela inconstitucionalidade da medida, nem sequer me debruçaria sobre esta questão. 3.2. Para além de tratado com a natureza de questão prévia, todo o desenvolvimento desta matéria é acessório à fundamentação da decisão que, como o próprio Acórdão admite (n.º 10), se centra no segmento da norma que introduz uma discriminação entre portugueses. Esta parte da fundamentação torna-se, assim, um ornamento, um mero obiter dicta de dimensão tão excessiva quanto desnecessária, porquanto não chega, afinal, a ser efetivamente usada para firmar a decisão do Tribunal. 3.3. Finalmente, discordo desta parte da fundamentação do Acórdão, também por aquilo que ela não diz. A verdade é que o Acórdão não chega a esclarecer qual seria a consequência para a sua apreciação se se concluísse que a opção legal em causa derivava de uma vinculação para o legislador nacional da jurispru- dência do Tribunal de Justiça da UE. Em vão se procurará no Acórdão uma resposta a esta questão – onde a clareza se impunha, ele é inconclusivo. 4. Como referi, apesar do tratamento inicial e desenvolvido que recebe na fundamentação do Acórdão, a questão relativa às vinculações do Direito da UE é apenas apresentada pelo legislador como fundamenta- ção complementar da norma. Na resposta apresentada, o autor da norma refere, como argumentos centrais, que «o legislador entendeu (…) que a demonstração do laço que define a integração na sociedade deve ser mais forte do que o critério puro de nacionalidade», densificando «o critério de ligação através da extensão do tempo que permita aferir a efetiva integração». Isto porque «a transferência de recursos entre os cidadãos obriga efetivamente à demonstração de uma ligação efetiva à comunidade que transfere esses recursos». De facto, «as prestações estruturadas, (…) de concessão continuada, destinadas à (re)inserção dos seus beneficiá- rios, (…) têm de pressupor obrigatoriamente um elo de ligação mais sustentado, demonstrativo de efetiva integração na comunidade de cujos recursos se lança mão para garantia de mínimos de inserção garantidos por longos períodos de tempo». Trata-se de uma justificação forte, não afastada pelo Acórdão. Com efeito, as três razões utilizadas para a rebater não são convincentes. Vejamos. 4.1. O Acórdão afirma que não faz sentido a exigência de comprovação de um elo efetivo com a comu- nidade nacional porque ser-se português é, em si mesmo, um estado pessoal que constitui condição suficiente dessa demonstração. Trata-se do argumento central para afastar a fundamentação do autor da norma. No entanto, este argumento não procede. É infirmado, desde logo, pela letra da Constituição. O artigo 115.º, n.º 12, permite que se confira aos portugueses residentes no estrangeiro o direito de votar em referendos nacionais, mas apenas «quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito». No artigo 121.º, n.º 2, da Constituição, relativo à participação de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro nas eleições presidenciais, exige-se que se tenha em conta a existência de «laços de efetiva ligação à comuni- dade nacional». A Constituição admite, portanto, que, apesar de todos os cidadãos portugueses integrarem o conceito de povo e a comunidade nacional, os laços que os unem a esta podem ser efetivos ou não, podendo nomeadamente ser afetados pela não residência em território nacional (artigo 121.º, n.º 2, da Constituição). Não é verdade que baste ter a cidadania portuguesa para possuir tais laços. Haverá situações em que esse elo não existe ou que não é suficientemente forte para justificar aceder a certas prerrogativas. Se assim é, não
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