TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
73 acórdão n.º 141/15 a ter igualmente em consideração no juízo de ponderação que se deveria efetuar. Mas o seu uso pressupunha o esclarecimento de uma questão prévia; e essa não era outra que não a questão de saber se, neste domínio, o Direito Europeu impunha, ou não impunha, uma obrigação de trato indiferenciado entre portugueses e demais cidadãos da União, obrigação essa que impendesse do mesmo modo tanto sobre o legislador portu- guês quanto sobre os legisladores dos outros Estados-Membros da União. 4. Entendeu o Tribunal que esta questão prévia se encontrava clara e inequivocamente esclarecida, e que era negativa a resposta que se lhe deveria dar. Por esse motivo, proferiu a decisão de inconstitucionalidade. O juízo foi proferido depois de uma cuidada análise das pertinentes normas do Direito da União a «apli- car» ao caso concreto, e da correspondente jurisprudência. Aí – e dando-se particular ênfase a um acórdão recente proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia –, o Tribunal concluiu, sem margem para dúvi- das, que o legislador nacional, ao invocar na sua resposta a exigência europeia de igualdade de tratamento entre portugueses e demais «cidadãos da União» residentes em Portugal, interpretara mal o Direito Europeu, uma vez que era claro que, in casu , tal exigência pura e simplesmente não existia. Foi, portanto, sobre esta premissa que se fez assentar o juízo de inconstitucionalidade. Dissenti desse juízo porque entendo que a premissa sobre a qual ele foi construído está longe de poder ser demonstrada. A questão respeitante à interpretação das normas de Direito Europeu que havia que resolver não é para o ordenamento jurídico da União uma questão qualquer. Diz antes respeito a «valores estruturantes» da União, como sejam os relativos à liberdade de circulação de pessoas nos territórios dos diferentes Estados-Membros, ao direito de residência no território de qualquer Estado que pertença à União, e ao princípio geral segundo o qual os Estados-Membros estão obrigados a, em qualquer domínio, tratar os «cidadãos europeus» que no seu território legalmente residam do mesmo modo que tratam os seus próprios nacionais, sem «discriminação», portanto, daqueles primeiros [artigos 18.º, 20.º, n.º 2, alínea a), e 21.º, n.º 1, do TFUE]. Determinar que restrições podem ser introduzidas pelos diferentes legisladores nacionais quanto ao exercício destas liberdades de circulação e residência, e em que circunstâncias é que o princípio geral de igual- dade de tratamento pode conhecer limites, não é, assim, e para a «interpretação» do Direito da União, uma questão qualquer; releva antes de um problema fundamental, atinente à construção inacabada do conceito de «cidadania da União». E é precisamente com este problema que se relaciona a norma que o Tribunal neste caso teve que julgar, uma vez que a formulação, por parte de cada Estado, de regimes próprios de acesso a prestações de segurança social de natureza «assistencialista» análogas às do RSI, com a introdução de cláu- sulas de «identificação com a comunidade nacional» como as que se traduzam em exigências mínimas de período de residência no território do Estado-Membro prestador, podem vir a saldar-se em óbvias restrições à liberdade de circulação e residência, não obstante poderem também corresponder à realização de interesses legítimos por parte de cada Estado. Assim, também neste campo haverá que proceder a uma «ponderação». Desta feita, à ponderação entre o peso específico que a liberdade de circulação de pessoas (e o direito de residência) tem na construção de uma «cidadania da União», e o peso específico que terá o interesse de cada Estado-Membro em não dispensar as suas prestações de assistência social a pessoas que apenas «circulem» com o intuito de usufruir de benefícios que são expressão da solidariedade e do esforço financeiro de cada comunidade nacional. Só que esta «ponderação», que tem como referentes interpretativos não o direito nacional de cada Estado-Membro mas o direito primário da União, a fazer-se, teria que ser levada a cabo, não por uma jurisdição constitucional nacional, mas pelo órgão jurisdicional da União (artigos 19.º, n.º 1, segunda frase, TUE e 344.º, do TFUE). E creio que a ponderação deveria ter sido feita, dada a complexidade da questão que lhe subjaz e a centralidade que a mesma assume para o Direito da União. Parece-me, com efeito, pouco razoável pensar-se que a complexa construção do conceito de «cidadania europeia», com a consequente delimitação do seu conteúdo e limites – particularmente, no que diz respeito à compatibilização devida entre o princípio da igualdade de tratamento que cada Estado deverá a todos os «europeus» que residam legalmente no seu território, por um lado, e, por outro, os limites que daqui
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=