TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de antemão quão vasto é o universo de pessoas face ao qual se está obrigado a distribuir. Provavelmente sempre assim será. Mas seguramente que tal ocorrerá com maior premência naquelas circunstâncias em que, sendo escassos os recursos a distribuir, mais exigente se mostra a afinação dos critérios a observar na justiça da distribuição. Saber se as regras de acesso ao RSI português tinham, ou não tinham, que ser definidas pelo legislador nacional de modo a abranger indiferenciadamente tanto cidadãos portugueses quanto cida- dãos europeus não era portanto questão marginal face ao problema colocado pelo requerente. Muito pelo contrário: era em relação a esse problema questão prévia, uma vez que a ponderação quanto à adequação jurídico-constitucional da decisão legislativa, conquanto restrita à afetação dos direitos dos portugueses, não seria necessariamente a mesma, caso se soubesse que a distribuição do RSI tinha que ser feita, por imperativo europeu, do mesmo modo tanto para portugueses quanto para os demais cidadãos da União – circunstância em que diminuiria muito a quota-parte disponível para cada um –, ou caso se soubesse que tal imperativo de tratamento igual, pura e simplesmente, não existia. Em segundo lugar, a questão «europeia» era uma questão prévia em relação à questão de constituciona- lidade que tinha que resolver-se por causa dos próprios termos em que fora enunciado o juízo de ponderação devolvido ao Tribunal. A adoção da medida restritiva fora justificada pela necessidade de impedir que recur- sos escassos, provenientes exclusivamente da expressão da solidariedade nacional, viessem a ser distribuídos por free riders, ou seja, por pessoas que acorressem a Portugal com o simples intuito de desses recursos beneficiar. Para a formulação do juízo referente à «proporcionalidade» desta medida restritiva não podia ser indiferente a questão de saber se o Direito da União impunha ou não impunha que, neste domínio, fossem tratados igualmente tanto portugueses quanto demais europeus. É que, sendo a resposta positiva – isto é, impondo efetivamente o Direito da União a exigência de tratamento igual entre portugueses e “europeus” residentes em Portugal também quanto a este aspeto do regime de acesso às prestações do RSI – a finalidade de impedir que tais prestações fossem conferidas a quem não tivesse com a comunidade nacional nenhum elo de ligação efectiva adquiria uma intensidade de sentido, ou um «peso» próprio, que seria necessariamente muito superior ao «peso» a conferir ao mesmo argumento, caso se soubesse que a igualdade de tratamento entre portugueses e demais «europeus» não correspondia neste domínio a uma imposição jurídica decorrente da participação da República na União. É que a possibilidade fáctica de haver pessoas que acorram a Portu- gal com o simples intuito de beneficiar apenas de prestações sociais de natureza assistencial será tanto maior quanto mais amplo tiver que ser o universo dos destinatários dessas prestações. Assim, e sendo o «peso» a conferir ao argumento de interesse público apresentado para justificar a restrição tanto maior quanto maior fosse o âmbito necessário dos destinatários da medida restritiva, a questão de saber se tal âmbito era ou não, por imposição do Direito de União, de amplitude máxima – por dever incluir de forma igual tanto portu- gueses quanto europeus – surgia necessariamente como questão prévia face à questão principal que havia que resolver, em virtude dos próprios termos em que fora equacionado o juízo de ponderação devolvido ao Tribunal. Finalmente, e em terceiro lugar, das obrigações juseuropeias impendentes sobre o legislador nacio- nal – ou melhor, da determinação do seu exato sentido – dependia igualmente o juízo que o Tribunal fizesse quanto à constitucionalidade da medida legislativa, porquanto delas decorria o grau de proteção efetivamente conferido aos direitos dos cidadãos portugueses pela decisão jurisdicional que se viesse a tomar. Caso se soubesse que, neste domínio, o Direito da União não impunha nenhuma obrigação de tratamento uniforme entre aqueles últimos e os demais cidadãos europeus, saber-se-ia também que, em condições de reciprocidade – isto é, quanto a portugueses residentes noutros países da União – a desproteção social podia corresponder a uma escolha livre do Estado-Membro de acolhimento. Nestas circunstâncias, os portugueses seriam duplamente afetados: afetados no seu país de origem, se se mantivesse a decisão do legislador portu- guês de reservar as prestações de RSI apenas para aqueles cidadãos nacionais que residissem em Portugal há mais de um ano; e afetados no país «estrangeiro» de residência, porquanto também aí poderia acontecer que de nenhuma prestação social congénere beneficiassem. Este argumento – que, aliás, o Acórdão também enu- mera para fundamentar a sua decisão de inconstitucionalidade – mostrava-se como mais uma razão de peso,
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