TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
71 acórdão n.º 141/15 e ordem jurídica europeia, no seu conjunto tomada. Particularmente, a conclusão não traz consigo uma qual- quer visão hierárquica destas relações, que, eventualmente, confira à ordem europeia primazia ou prevalência sobre a ordem constitucional. Apenas se afigura como um corolário inevitável do compromisso assumido pela República face à integração europeia (artigo 7.º, n.º 5, da CRP), com o consequente reconhecimento do lugar que as normas de Direito da União têm no sistema interno de fontes do direito (artigo 8.º, n.º 4). 2. Nestes termos, considerar que o Tribunal Constitucional português pode estar condicionado, no juízo que fizer sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma, pela questão prévia de saber se o sentido de tal norma é, ou não, predeterminado por uma exigência do Direito da União, não implica nenhum desvio ao recorte constitucional das suas competências, nos termos do ordenamento fun- damental da República. Pelo contrário. Se, em um certo caso concreto, se verificar que assim é – ou seja: se se verificar que existem duas, e não apenas uma, questões de interpretação de Direito a resolver; que uma é a questão relativa à determinação do sentido das normas de Direito Europeu e que outra é a relativa à deter- minação do sentido das normas da Constituição portuguesa; e que a solução que se der à primeira questão condiciona a solução que se der à segunda – o reconhecimento da existência de uma questão prévia face à questão de constitucionalidade é algo que se inscreve de pleno naquilo que, face à CRP, se deve hoje entender por administração da justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º). 3. Como já se disse, depreende-se de toda a argumentação seguida pelo Tribunal que, no caso, foi exata- mente isso que sucedeu. Considerou-se que o juízo a fazer sobre a norma impugnada, restrito evidentemente à sua conformidade com as normas superiores constantes do ordenamento jurídico português, dependia do sentido que se atribuísse a certas exigências decorrentes do Direito da União, e impendentes sobre o legisla- dor doméstico. Penso que é certeira esta consideração. Com efeito, creio que, no caso, se não podia resolver a questão colocada pelo requerente ao Tribunal sem que primeiro se soubesse ao certo quais as obrigações que, por força do Direito da União, impendiam sobre o legislador português neste domínio. Através da norma sub judicio , este último havia alterado as regras relativas aos requisitos de acesso ao Rendimento Social de Inserção, de modo a passar a exigir, tanto para cidadãos portugueses quanto para cida- dãos da União Europeia (ou outros a estes últimos equiparados), o mínimo de um ano de residência legal em Portugal. O requerente impugnara a constitucionalidade (e também a legalidade) desta nova exigência ape- nas no que dizia respeito aos cidadãos portugueses, invocando que ela contrariava princípios constitucionais como o da universalidade, da igualdade, e da proporcionalidade em relação a «medidas restritivas» de acesso a prestações de segurança social; e o autor da norma defendera-se, argumentando que tais «medidas restritivas» eram necessárias, não apenas por razões de sustentabilidade do sistema de segurança social, mas ainda pelo imperativo de fazer distribuir prestações da natureza do RSI, expressão exclusiva da solidariedade da comu- nidade política nacional, apenas por aqueles que tivessem elos de ligação efetiva com tal comunidade, assim se evitando o indevido desperdício de recursos escassos por quem fosse atraído a Portugal com o simples fito de deles [desses recursos] beneficiar. Sendo esta a questão colocada ao Tribunal, dele se exigia uma tarefa difícil de ponderação, que sopesasse o valor constitucional dos propósitos de interesse público invocados pelo autor da norma e o grau de afetação dos direitos dos portugueses, atingidos pela nova exigência de um mínimo de um ano de residência no país. Parece-me evidente que, tendo o legislador estabelecido que esta nova exigência seria igual tanto para portugueses quanto para cidadãos europeus, o juízo de ponderação que o Tribunal teria que fazer, para resol- ver o problema de constitucionalidade que lhe fora colocado, dependeria, nos seus próprios termos, da ques- tão prévia de saber se o tratamento igual dado pela norma impugnada tanto a portugueses quanto a demais «europeus» era, ou não era, imposto ele próprio pelo Direito da União. E isto por três razões fundamentais. Em primeiro lugar, por ser necessário determinar ao certo qual o universo dos destinatários da pres- tação social em causa. Para resolver problemas de justiça distributiva é muitas vezes necessário que se saiba
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