TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

70 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do RSI por parte do Estado Português –, nem por isso o legislador ordinário português estaria juridicamente obrigado a diferenciar entre os cidadãos portugueses residentes em Portugal há menos de um ano e há mais de um ano; nem, tão-pouco, estaria constitucionalmente legitimado a fazê-lo atenta a relevância da cidadania portuguesa – justamente destacada no ponto 12 do Acórdão – para a definição da comunidade nacional. Daí a importância decisiva assumida no presente caso pelos parâmetros constitucionais da universalidade e da igualdade. Em suma, por razões de ordem normativa, e também de ordem processual, a questão da constituciona- lidade (ou legalidade) da solução adotada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho, relativamente ao artigo 6.º, n.º 1, alínea a) , primeira parte, da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, precede a da sua compatibili- dade com o direito da União Europeia. Por outro lado, a aludida indagação sobre o sentido do direito da União Europeia – concretamente do artigo 24.º, n. os 1 e 2, da Diretiva n.º 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004 –, se realizada exclusivamente pelo Tribunal Constitucional, como sucedeu neste caso (cfr. o ponto 10 do presente Acórdão), corre o risco de não vir a ser corroborada pela instância competente para fixar a interpretação dos atos adotados pelas instituições da União Europeia, conforme o disposto no artigo 267.º, primeiro parágrafo, alínea b) , e segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, uma vez que, mesmo depois da jurisprudência Dano (vide o acórdão do Tribunal de Justiça da União Euro- peia de 11 de novembro de 2014, Processo C-333/13), não se pode ter como absolutamente segura qual a interpretação dos preceitos de direito da União Europeia aplicáveis que virá a prevalecer em termos gerais e abstratos (em sentido contrário à mencionada jurisprudência Dano, vide, por exemplo, o acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey, Processo C-140/12; e, presentemente, encontra-se pendente um pedido de decisão prejudicial sobre a mesma matéria: Processo C-67/14, Alimanovic ). – Pedro Machete. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencida quanto à decisão de inconstitucionalidade pelas seguintes razões: 1. Depreende-se de toda a argumentação seguida pelo Tribunal (particularmente, nos pontos 6 a 10 da fundamentação) que, neste caso, se considerou que a questão relativa à interpretação do Direito da União surgia como questão prévia face ao problema de constitucionalidade que havia que resolver. Considerar que o juízo, a fazer naturalmente pelo Tribunal Constitucional português quanto à con- formidade ou desconformidade face à CRP de uma norma editada pelo legislador da República, pode estar condicionado pelo sentido que se atribuir às obrigações juseuropeias que sobre aquele último impendam, não significa reconhecer que toda a ordem jurídica europeia prevalece ou prima sobre a própria Constituição portuguesa. Significa tão somente que dos artigos 7.º, n.º 5, e 8.º, n.º 4, da CRP se retiram as ilações que são devidas. Face ao disposto nestes últimos preceitos, pode bem suceder que o legislador português se encontre, em certo domínio, vinculado por imposições decorrentes do Direito da União; e que, assim sendo, saber ao certo se tais vinculações existem – qual o seu preciso sentido; qual a dimensão exata das suas exigências – pode configurar-se como uma questão que, logicamente, deve ser resolvida antes que se resolva a questão de constitucionalidade. Não pode logicamente excluir-se, com efeito, que, em certas situações, a ponderação a fazer pelo Tribu- nal Constitucional português quanto à constitucionalidade das escolhas legislativas da República dependa do problema de saber se, e até que ponto, tais escolhas estavam predeterminadas por exigências decorrentes do Direito da União. A conclusão não compromete em nada a delimitação da competência própria do Tribunal Constitucional, que, como se sabe, é restrita à averiguação da conformidade ou compatibilidade de normas de direito interno face à Constituição da República [ou face a leis de valor reforçado]; como em nada com- promete a conceção de fundo que se tenha sobre as relações existentes entre ordem constitucional portuguesa

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