TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se o exercício de liberdades fundamentais pode, em si mesmo, constituir um fator de legitimação para um tratamento in pejus das pessoas que as exerceram. Ou, dizendo de outro modo, a questão que se coloca é a de saber se, entre pessoas à partida igualadas numa pre- cisa condição jurídica – a que decorre da comum nacionalidade portuguesa – pode o legislador introduzir diferenças de regime jurídico que tenham como único fundamento (para o tratamento in pejus de algumas delas) circunstâncias de facto que correspondem ao exercício de liberdades individuais, constitucionalmente protegidas. 14. Face à vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional que tem interpretado o sentido do artigo 13.º da Constituição, parece claro que a resposta à questão colocada não pode ser senão negativa. Como decorre, entre muitos outros, dos Acórdãos n. os 191/88; 412/02 e 232/03 (que faz, neste domí- nio, uma expressiva síntese de todo o lastro jurisprudencial anterior), a densidade de escrutínio do Tribu- nal, face às diferenças de tratamento entre pessoas que sejam introduzidas pelo legislador e que devam ser confrontadas com o princípio da igualdade de todos através da lei, não é em qualquer caso constante nem detém em todas as circunstâncias o mesmo grau. Tal densidade será tanto maior quanto mais evidente, ou manifesta, for a inexistência de respaldo constitucional para a razão de ser da diferença, ou para o funda- mento – invocado pelo legislador ou (e) decorrente do regime jurídico por ele instituído – que justifica o trato diferenciado. A Constituição exclui que o legislador possa introduzir diferenças de tratamento entre pessoas que se fundamentem exclusivamente nas categorias suspeitas enunciadas no elenco aberto do n.º 2 do artigo 13.º da CRP. À partida, existem portanto fundamentos justificadores de diferenças que a Consti- tuição entende serem insuscetíveis de merecer o seu acordo; e não dispondo assim o legislador da liberdade de estabelecer diferenças ( in pejus ) entre pessoas com fundamento nessas razões, qualquer regime legislativo que, contrariando manifestamente a proibição constitucional, mesmo assim as invocar – como única razão justificativa do trato diferenciado – merecerá o escrutínio exigente da jurisdição constitucional. Nessas cir- cunstâncias, sobre o autor da norma impende o ónus acrescido de justificar, por algum outro fundamento que mereça, em ponderação, o assentimento do Direito, a sua insistência em estabelecer diferenças entre as pessoas com fundamento em razões que, prima facie , a Constituição não acolhe como sendo justificações idóneas para o trato diferenciado. É certo que, no caso agora colocado ao Tribunal, não está em causa a instituição, pelo legislador, de regimes diferentes que sejam aplicáveis a grupos de pessoas em função de qualquer uma das razões que, em elenco aberto, o n.º 2 do artigo 13.º da CRP enuncia. Contudo, residindo o fundamento da diferença, ins- tituída pela norma impugnada entre cidadãos nacionais, no simples facto de alguns desses cidadãos terem exercido liberdades que a Constituição valora como fundamentais, a densidade de escrutínio a aplicar pela jurisdição constitucional à avaliação da escolha legislativa não pode ser menor. Também nestas circunstâncias (e dir-se-ia: por maioria de razão nestas circunstâncias) a Constituição «presume» que tais factos não podem, em si mesmos, fornecer ao legislador fundamentos idóneos para o estabelecimento de diferenciações in pejus , uma vez que eles correspondem, tão somente, ao exercício de direitos de liberdade. Assim sendo, também nestas circunstâncias impenderia sobre o legislador ordinário o ónus acrescido de apresentar uma justificação que, em ponderação, pudesse merecer o acolhimento da ordem constitucional. Ora, no caso, não colhe o argumento segundo o qual a razão (legítima) para diferenciar estaria na neces- sidade de prosseguir uma política legislativa que, visando alcançar a sustentabilidade do sistema de segurança social, distribuísse as prestações do rendimento social de inserção apenas por aqueles que com a comunidade nacional tivessem um elo efetivo de ligação. Como já se referiu, todos os cidadãos portugueses, pelo simples facto de o serem, detêm um elo efetivo de ligação com a comunidade nacional. É este o princípio de que parte a Constituição, e para cuja valência plena se não encontrou, no caso, limitação. Assim, o único fundamento para, dentro do universo dos cidadãos nacionais residentes, estabelecer uma diferenciação entre eles, em razão do tempo de residência (tertium comparationis), residirá no facto de terem sido exercidas liberdades que, para a Constituição, são fundamentais. Os destinatários do regime jurídico
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