TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

65 acórdão n.º 141/15 É certo que, embora não acarretando por tudo isto qualquer diminuição do estatuto de cidadania, a residência de um português no estrangeiro pode implicar que só lhe sejam pela lei portuguesa conferidos direitos que, como diz o artigo 14.º da CRP, «não sejam incompatíveis com a ausência do país». Nesse sentido se compreende o sistema de acesso às prestações de RSI, que, desde a sua origem, implica a atribuição dessas prestações apenas àqueles que residem em Portugal, o que constitui uma forma de concretização daquele prin- cípio. Justificadamente, o legislador entende que o direito a fruir do rendimento de reinserção social, prestado pelo Estado português, não pode ser reconhecido a cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, uma vez que tal reconhecimento depende da celebração de um contrato de inserção do qual decorrem, para o titular da prestação social, obrigações cujo cumprimento pressupõe sempre a residência do mesmo em território nacional. Aliás, esta mesma ideia, segundo a qual aos portugueses residentes no estrangeiro só serão reconhecidos os direitos que não sejam incompatíveis com a sua ausência do país, corresponde à redação do n.º 1 do artigo 40.º da Lei de Bases da Segurança Social, na medida em que aí se prescreve que «(a) atribuição das prestações do subsistema de solidariedade (no qual se integra o rendimento social de inserção) depende de residência em território nacional». 13. Ao impor que os cidadãos portugueses comprovem ter pelo menos um ano de «residência legal» em Portugal, o legislador ordinário está a instituir um regime mais gravoso de acesso ao RSI para um grupo espe- cífico de portugueses. Como sustenta o requerente, em causa estarão «situações (…) em que cidadãos portu- gueses acabados de regressar a Portugal, por terem voluntariamente decidido ou até sido forçados a abandonar o país de acolhimento, (…) se confrontam com o peso de uma condição pessoal de debilidade económica». Quer isto dizer que especialmente afetados serão todos aqueles que, tendo emigrado ou decidido pura e simplesmente sair do território nacional, a esse território escolham voltar. De acordo com o sentido preciso da norma agora impugnada, serão sobretudo esses que terão que comprovar a «residência legal» em Portugal pelo período mínimo de um ano, a fim de poderem aceder às prestações de RSI. Note-se que, sendo claro que o legislador nacional não estava obrigado por qualquer norma supranacio- nal a consagrar esta solução, é também claro que a afetação especial dos portugueses regressados a Portugal – e que terão que esperar um ano antes de poderem aceder ao rendimento social de inserção – poderá não ter qualquer equivalente nos ordenamentos jurídicos dos demais Estados-Membros da União. Com efeito, se é certo que o Direito da União não impede os Estados de tratarem mais favoravelmente os seus próprios nacio- nais face aos demais cidadãos da União no que diz respeito a este tipo de prestações, de natureza estritamente assistencial, pode bem suceder que os demais Estados (que não Portugal) acolham regimes jurídicos que rejeitem este tipo de constrições para os seus próprios nacionais. A ser assim, Portugal, ao escolher livremente afetar deste modo cidadãos portugueses em nome de uma (não exigida) homogeneidade de tratamento entre todos os cidadãos europeus, fá-lo-á correndo o risco da não reciprocidade por parte dos ordenamentos jurí- dicos dos demais Estados-Membros da União. Se tal ocorrer os cidadãos portugueses emigrantes poderão vir a ser, por causa da lei portuguesa, duplamente afetados: afetados em Portugal, visto que a decisão de regressar ao país não deixará de ser condicionada pelo facto de, em situação de debilidade económica, ser impossível o acesso às prestações do RSI antes de decorrido o prazo de um ano; afetados no território de acolhimento, visto que nada garantirá que, no território desse Estado, seja concedida (ou em que condições seja concedida) a não nacionais que nele residam prestações de natureza assistencial. A este ponto acresce que, ao assim decidir – correndo portanto o risco da não reciprocidade por parte das ordens jurídicas dos demais Estados-Membros da União – o legislador português estabelece uma dife- rença de tratamento entre cidadãos portugueses que tem como único fundamento um dado de facto: o facto de alguns de entre esses cidadãos terem escolhido sair do país e, posteriormente, terem igualmente escolhido a ele regressar. Sucede, porém, que tais dados de facto não correspondem a ações pessoais que sejam pelo Direito desconsideradas ou desvalorizadas. Muito pelo contrário. Como já se viu, os comportamentos a que os factos se referem correspondem ao exercício de liberdades que a Constituição tem por fundamentais, com todas as consequências de valoração subjetiva e objetiva que daí decorrem.

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