TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

64 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 12. Acontece que, quando aplicada a cidadãos portugueses, uma tal justificação não pode deixar de colocar, à luz da CRP, especiais problemas, que decorrem de três razões fundamentais. Em primeiro lugar, por uma razão de princípio que ocupa, no sistema da Constituição, um lugar valo- rativo primordial. Em termos jurídico-constitucionais, a definição do que seja, ou em que possa consistir, a «comunidade nacional» – e a resposta à questão de saber quem a ela pertence ou quem, com ela, deterá laços de ligação efetiva – aparece como questão de tal modo relevante que não pode deixar de ser resolvida nos seus primeiros artigos, relativos aos “Princípios Fundamentais”. E o que deles resulta é que pertencerá naturalmente à «comunidade nacional» todo aquele que detiver a cidadania portuguesa. É o que parece, pelo menos, decorrer do n.º 1 do artigo 3.º, na parte em que se refere ao “povo” como titular do poder político soberano; e do artigo 4.º, na medida em que aí se elege a cidadania portuguesa como critério exclusivo para o preenchimento do conceito constitucional de “povo”. Significando as expressões nacionalidade e cidadania o vínculo que liga um indivíduo a determinado Estado, é difícil compreender que o legislador ordinário se veja na necessidade de exigir, em relação a cidadãos portugueses, requisitos ulteriores suscetíveis de comprovar a existência, em relação a cada um, de elos efetivos de união à comunidade nacional. Para todos os efeitos, a Constituição parte do princípio segundo qual o ser-se português é, em si mesmo, um estado pessoal que constitui condição suficiente de comprovação da existência desse elo efetivo. Em segundo lugar, não parece congruente que esse requisito ulterior se cifre na exigência, imposta a cida- dãos nacionais, de um período mínimo de residência legal em Portugal. Os portugueses, que integram, de acordo com a Constituição, a «comunidade nacional», serão naturalmente titulares de um direito fundamental a habitar o território que forma o suporte físico e geográfico dessa mesma comunidade. Isto mesmo decorre da ordem pela qual a CRP enuncia, nos «Princípios Fundamentais», os elementos que considera serem essenciais para a identificação do que seja a comunidade política nacional. Com efeito, após ter identificado o «povo» como titular da soberania (artigo 3.º), e de ter esclarecido que tal «povo» não é outra coisa que não a reunião dos cidadãos portugueses (artigo 4.º), dedica-se a delimitar o território da República (artigo 5.º), indiciando assim a existência de uma relação “umbilical”, estreitíssima, entre uma certa condição pessoal de cidadania (o ser-se português) e o direito a habitar o território que identifica Portugal. Precisamente por isso não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional (artigo 33.º, n.º 1, da CRP), sendo por outro lado garantido a todos os cidadãos o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional (artigo 44.º, n.º 1). Perante o recorte deste direito fundamental, de que qualquer cidadão português é titular, de residir em território da República, o conceito de residência legal nesse território, quando aplicado a portugueses, só pode ter o valor enunciativo que a acima se lhe atribuiu. E assim, por definição, nenhum português poderá vir a encontrar-se em situação de residência ilegal em Portugal. Finalmente, e em terceiro lugar, a norma impugnada – no segmento ideal identificado pelo requerente no seu pedido, e que, como já se sabe, incide apenas sobre cidadãos portugueses – coloca problemas jurídico- -constitucionais face ao disposto no n.º 2 do artigo 44.º da CRP. Decorre desta norma que os portugueses, além de disporem de um direito incondicionado a habitar o território da República, dispõem também do direito, que a todos é reconhecido, de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar. Justamente por se tratar do exercício de uma liberdade fundamental, a saída do território português, e consequente escolha do território de qualquer outro Estado como espaço geográfico e social de vida, não acarreta para nenhum português a assunção de um estatuto diminuído de cidadania. A «presunção» de pertença efetiva à «comunidade nacional», que a Constituição associa estritamente à condição de ser-se português, permanece intacta, sempre que se exerce a liberdade fundamental, garantida pelo n.º 2 do artigo 44.º da CRP, de emigrar ou de sair do território nacional. Prova disso mesmo é, não apenas o disposto no artigo 14.º, segundo o qual «os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país», mas ainda o especificamente previsto nos artigos 121.º, n.º 1, 115.º, n.º 12, ou 149.º, n.º 2, da CRP, nos termos dos quais se confere aos portugueses residentes no estrangeiro, pelo menos, o direito de votar em referendos nacionais e na escolha de titulares eleitos de órgãos de soberania.

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