TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

63 acórdão n.º 141/15 10. Conclui-se por isso que, perante as disposições do direito da União Europeia e a interpretação que delas tem feito o TJUE, não há qualquer dúvida que o direito da União Europeia tolera um regime diferen- ciado entre cidadãos da União Europeia e cidadãos nacionais do Estado-Membro de acolhimento, no que respeita a prestações de um regime não contributivo que garante um mínimo de meios de subsistência. Uma vez que as prestações de RSI compartilham dessa natureza, torna-se portanto inequívoco, face a esta clarificação, que o autor da norma agora impugnada assumiu como sua uma «obrigação» – a de tratar de modo igual os portugueses e os demais cidadãos europeus – que não decorre da correta interpretação do Direito da União. Note-se, no entanto, que o facto do direito da União permitir um regime diferenciado entre cidadãos nacionais e cidadãos dos Estados-Membros em matéria de acesso a prestações sociais, isso não significa que à luz da Constituição portuguesa não se possa eventualmente questionar a constitucionalidade desse regime. Simplesmente, no caso sub judicio , o objeto do pedido centra-se apenas no segmento da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho, que introduz, para os cidadãos portugueses, uma condição de «residência legal» em Portugal pelo período mínimo de um ano, para efeitos de acesso ao RSI. Ora, não sendo esta uma imposição do direito da União Europeia, a escolha legislativa que a norma reflete só pode corresponder a uma opção livre do legislador ordinário que, enquanto tal, se deve submeter às exigências decorrentes da Constituição da República. 11. Semelhante opção foi tomada, como já se sabe, pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho, que, alterando a redação inicial da lei que instituiu o rendimento social de inserção, fez acrescer à exigência que já constava do regime originário do RSI – segundo a qual, para se aceder às prestações corresponden- tes, seria necessário que se tivesse simplesmente «residência legal» em Portugal – o requisito de um período mínimo de residência por um ano, requisito esse aplicado também a cidadãos portugueses. De acordo com o preâmbulo constante do referido Decreto-Lei, esta alteração do regime do RSI inse- ria-se numa política legislativa tendente a «(reavaliar) os regimes jurídicos das prestações do sistema de segurança social, quer do sistema previdencial quer do sistema de proteção social de cidadania, de forma a garantir que a proteção social seja efetivamente assegurada aos cidadãos mais carenciados sem colocar em causa a sustentabilidade financeira do sistema de segurança social» ( Diário da República , 1.ª série – n.º 123 – 27 de junho de 2012, p. 3270). Neste contexto, a revisão global daquele regime jurídico deveria reforçar «o caráter transitório e a natureza contratual da prestação, constitutiva de direitos e obrigações para os seus beneficiários, enquanto instrumento de inserção e coesão social» (ibidem) . É pois, no quadro desta política legislativa, tendente a assegurar a sustentabilidade do sistema de segu- rança social, que se deve compreender a opção que o legislador tomou de fazer acrescer à exigência já definida em 2003 – segundo a qual só os residentes em Portugal (fossem ou não portugueses) acederiam às presta- ções do RSI – uma outra, indiciadora de um regime mais restritivo de acesso, segundo a qual apenas quem residisse em Portugal há pelo menos um ano poderia beneficiar deste específico instituto de proteção social. O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 133/2012, se bem que relativo à explanação de todas as finalidades de política legislativa aí prosseguida, é silente quanto às razões que terão levado o legislador a introduzir esta específica alteração ao regime do RSI. Tais razões, contudo, são explicadas pelo autor da norma na resposta que foi dada ao pedido do reque- rente. Aí se diz que, num quadro de redistribuição de recursos escassos, haveria que garantir que uma pres- tação com a natureza do RSI, que se destina a assegurar direitos essenciais por forma a prevenir e a erradicar situações de pobreza e exclusão com base na solidariedade de toda a comunidade (artigo 36.º da Lei de Bases da Segurança Social), só fosse concedida a quem com essa comunidade tivesse elos de ligação efetiva. A exi- gência de um período mínimo de residência em Portugal corresponderia, portanto, à expressão possível dessa mesma garantia, assim se evitando o acesso à prestação a quem não mostrasse ter relação suficientemente densa com a comunidade nacional.

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