TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
524 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. º Assim, uma diferenciação promovida pelo legislador sem um fundamento racional e material suficiente é arbitrária; 3. º A comparação indispensável para comprovar a existência de respeito ou desrespeito pelo prin- cípio da igualdade deve ser sistemicamente contextualizada; 4. º O Tribunal Constitucional, no exercício do controlo do respeito pelo princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, deve limitar-se a um juízo de censura das diferenciações injusti- ficadas. Temos agora matéria-prima teórica suficiente para regressar ao caso que no ocupa. 18. E, precisamente, o ponto decisivo para a ponderação da constitucionalidade no caso que nos ocupa está, como se disse, em apurar se existe fundamento material bastante para que um trabalhador, em Portugal, ao serviço de uma sociedade comercial pertencente a um grupo e dominada por uma sociedade estrangeira com sede noutro país possa ter, no plano da garantia dos créditos emergentes da relação laboral, um trata- mento menos favorável do que um outro trabalhador em Portugal ao serviço de uma sociedade comercial pertencente a um grupo e dominada por uma sociedade estrangeira com sede no nosso país. Dito por outras palavras: a diferença de localização geográfica da sede da sociedade dominante – sita em Portugal ou noutro país – é fundamento material suficiente para determinar e legitimar um distinto nível de proteção dos créditos do trabalhador emergentes da relação laboral ou da sua rutura? Antes de ponderar a resposta a esta questão, há que afastar um argumento que poderia ser utilizado para contestar hipotética conclusão no sentido da qualificação da situação como ofensiva do princípio da igualdade. Uma tal conclusão não implica, de nenhum modo, assumir a aplicação da lei portuguesa a sociedades de direito alemão, numa espécie de extraterritorialidade. Claro que a hipótese de a lei portuguesa ser aplicável somente se coloca na medida em que existe um poderoso elemento de conexão com a ordem jurídica portu- guesa: a sociedade dominante alemã instalou-se livre e voluntariamente em Portugal para aqui desenvolver a sua atividade, para o que criou uma sociedade portuguesa, de que detinha mais de 99% do capital social. Não se trata de uma qualquer sociedade alemã, operando no seu ou em outro país, a que a lei portuguesa, por interposto capricho de jurista nacional insensato, pretendesse submeter, para espanto seu, a uma lei estrangeira e estranha. Ou seja: o juízo sobre a legitimidade ou ilegitimidade da diferenciação resulta da ponderação crítica da sua razão de ser. 19. Vejamos então. O tratamento diferenciado de duas sociedades comerciais, uma com sede em Portugal, outra fora do país, nada tem de arbitrário. A diferenciação assenta na lei pessoal, determinada de acordo com a norma de conflitos portuguesa, o artigo 33.º do Código Civil, resultando da existência de distintas ordens jurídicas. Esta norma legitimaria, de alguma forma, o resultado da aplicação combinada dos artigos 334.º do CT – «Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de parti- cipações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais» e 482.º, n.º 2, do CSC – «O presente título aplica-se apenas a sociedades com sede em Portugal.» Esse resultado seria a exclusão da responsabilidade da sociedade dominante com sede fora de Portugal. Estando em causa o princípio da igualdade, indispensável é esclarecer o que é que estamos a comparar, em ordem a apurar qual é a diferenciação e, depois, proceder à ponderação desta.
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