TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
523 acórdão n.º 227/15 entende que tais características, pela sua natureza, não poderão ser à partida fundamento idóneo das diferenças de tratamento legislativamente instituídas.» Ficamos agora seguros de que nos encontramos perante um problema de proibição do arbítrio – e não perante uma eventual descriminação. Por outras palavras: estaremos perante uma ofensa ao princípio da proibição do arbítrio se e na medida em que se provar que a diferença de tratamento não tem a justificá-la um qualquer fundamento racional bastante. Há então que avançar no sentido da densificação do conceito de proibição do arbítrio, continuando a recorrer à jurisprudência e à doutrina constitucionais. 16. Começará por dizer-se que «a proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou decisão dos poderes públicos», não eliminando a liberdade de conformação do legislador, que não fica reduzido ao estatuto de executor mecânico do imperativo constitucional (Gomes Canotilho e Vital Moreira, idem , p. 339 no mesmo sentido, cfr. também e entre outros, o Acórdão do Tribunal Consti- tucional n.º 421/14). Mas tal espaço de conformação não é infinito: Jorge Miranda e Rui Medeiros acrescentam que «não surpreende, neste contexto, o reconhecimento generalizado de que a liberdade de conformação do legislador no âmbito da concretização do princípio da igualdade deve estar sujeita a limites materiais efetivos» ( Consti- tuição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 225). Estes limites efetivos, contudo, não resultam da hipotética imposição de uma escolha racional. O legis- lador não tem de escolher a “melhor solução”, nem sequer uma “boa solução”, podendo (embora não deva) optar por soluções irracionais ou incongruentes. O que esta irracionalidade ou incongruência não pode é implicar «diversidades de tratamento não fundadas em motivos razoáveis.» (cfr. Acórdão do Tribunal Cons- titucional n.º 546/11). É que, constituindo o princípio da igualdade uma «norma de controlo», não pode desconsiderar-se que «em sede de controlo da constitucionalidade, não cabe aos respetivos órgãos emitir propriamente um juízo “positivo” sobre a solução legal: ou seja, um juízo em que o órgão de controlo comece por ponderar a situação como se fora o legislador (e como que “substituindo-se” a este) para depois aferir da racionalidade da solução legislativa pe1a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” ou “ideal”. Os órgãos de controlo da constitucionalidade não podem ir tão longe: o que lhes cabe é tão-somente um juízo “negativo” que afaste aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de credenciar-se racionalmente» (Parecer n.º 26/82 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 20.º Volume, 1984, pp. 223-224). Nesta linha, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/90 resumiu: «a “teoria da proibi- ção do arbítrio” não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo jurisdicional.» Acrescente-se que, «embora o juízo de igualdade seja um juízo relativo, a comparação não está confinada ao confronto entre disposições normativas, devendo igualmente atender-se, tendo em conta uma perspetiva sistémica, ao modo como a solução normativa sindicada se integra no sistema jurídico como um todo» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, cit., p. 226). Por último, «a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, da falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 270/09). 17. De tudo quanto ficou dito sobre a proibição do arbítrio, podemos extrair quatro conclusões essenciais: 1. º O legislador pode, seguramente, estabelecer diferenciações: todavia, essa liberdade de diferen- ciar é uma liberdade condicional, sujeita a limitações;
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