TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
521 acórdão n.º 227/15 É que a comparação a fazer incide sobre duas sociedades portuguesas e sobre trabalho prestado em Por- tugal. O que está em causa é determinar se o diferente estatuto pessoal da sociedade dominante – portuguesa ou estrangeira – constitui fundamento bastante para justificar um regime distinto de garantia dos créditos laborais a efetivar perante a sociedade dominada, em termos de os créditos dos trabalhadores ao serviço desta beneficiarem de menor proteção, no caso de a sociedade dominante ter sede fora do nosso país. Por outras palavras: a diferença entre as duas sociedades dominantes, assente no respetivo estatuto pessoal, é suficiente para justificar o tratamento desigual, em Portugal, dos trabalhadores de sociedades de direito português por ela dominadas? Continuando a assentar o raciocínio na comparação hipotética entre duas sociedades dominadas por- tuguesas e duas dominantes, uma com sede em Portugal e outra no estrangeiro, não parecem existir dúvidas de que a comparação produz resultados inteiramente idênticos sobre todos os pontos de vista, menos a localização da sede. Podem as duas sociedades dedicar-se à mesma atividade, exatamente no mesmo local; ter sócios portu- gueses e / ou estrangeiros; contratar trabalhadores portugueses e / ou estrangeiros; produzir para o mercado português e / ou para exportação, etc. Enfim, tudo pode ser igual. Não obstante, os trabalhadores de ambas não beneficiariam da mesma garantia dos seus créditos laborais, apenas porque a sede da sociedade que con- trolava uma das sociedades dominadas – por “azar”, a “sua” entidade patronal – se encontrava fora de Por- tugal. E, note-se, os trabalhadores em causa até poderiam ignorar esta diferença, uma vez que trabalhavam para duas sociedades portuguesas, ambas com sede em Portugal. 13. O que se acaba de dizer justifica que haja de se levar mais longe este olhar sobre o princípio da igualdade, um dos princípios constitucionais de mais difícil aplicação. Como observa Maria da Glória F. P. Dias Garcia, «a igualdade é um conceito, por um lado, simples, e, por outro essencialmente relativo, e, em consequência deste último facto, uma realidade que pertence ao mundo das coisas pensadas» ( Estudos sobre o Princípio da Igualdade, Coimbra, 2005, p. 469). Na verdade, de uma certa forma, tudo é igual e tudo é diferente. Os seres humanos, não obstante a Declaração dos Direitos o Homem e do Cidadão os haver proclamado iguais em direitos, são todos distintos uns dos outros, não havendo dois verdadeiramente iguais. Todavia, o direito, em homenagem à sua digni- dade própria, criou e estruturou um quadro lógico que assenta na ideia básica de que, em função de deter- minados fatores, variáveis no tempo e no espaço, eles devem ser considerados iguais ou podem (ou devem) ser tidos por diferentes. É isso que explica que as leis fundamentais se preocupem em estabelecer critérios de diferenciação que consideram absolutamente inadmissíveis enquanto tais: a raça, o género, a religião, as ideias políticas, serão os mais comuns, como se pode comprovar da leitura do artigo 13.º da CRP. Mas não fazem mais do que exemplificar desigualdades, particularmente intoleráveis, mas reconduzíveis, de todo o modo, ao princípio de que aquilo que é igual deve ser igualmente tratado (e que é diferente, desigualmente tratado). Mas se não são só estes os únicos critérios de diferenciação inadmissíveis, não é menos certo que nem todos os critérios de diferenciação são inadmissíveis. O princípio a ter em conta nesta matéria é o de que onde «houver um tratamento desigual impõe-se uma justificação material da desigualdade (…) o tratamento desigual deve pautar-se por critérios de justiça, exigindo-se, desta forma, uma correspondência entre a solução desigualitária e o parâmetro de justiça que lhe empresta fundamento material» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, pp. 340-341). Esta ideia reencontra-se em Maria da Glória F. P. Dias Garcia, quando escreve «a qualificação de uma situação como igual a outra inclui, necessariamente, a razão pela qual ela deve ser tratada de certo modo» ( op. cit. , p.52). Por outras palavras: «o princípio da igualdade não impõe a completa identidade; antes pro- cura obstar a injustificadas diferenças de tratamento. O objectivo é impedir o tratamento desigual assente em diferença que se considera não poder ou dever fundar tal desigualdade de tratamento» (João Caupers,
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