TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

520 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Dúvidas não existindo quanto ao preenchimento da previsão do preceito do artigo 481.º, n.º 1, do CSC – suscetível de cobrir situações muito distintas, que a doutrina comercialista usualmente designa por grupos de sociedades ou sociedades coligadas e que não relevam no caso –, o problema reside na combinação da remissão feita na parte final do artigo 334.º do CT com a limitação constante do proémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC: O presente título aplica-se apenas a sociedades com sede em Portugal (…). O artigo 3.º, n.º 1, do CSC, é a regra de conflitos nuclear em matéria de sociedades comerciais, esti- pulando que «as sociedades têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada a sede principal efetiva da sua administração». Coerentemente, o artigo 481.º, n.º 2, do mesmo código estabelece que o regime previsto no Título VI do CSC (salvo os casos excecionais aí indicados) apenas é aplicável a sociedades com sede em Portugal. Parece, assim, resultar desta norma que, ocorrendo a circunstância de a sociedade dominante ter a sua sede no estrangeiro, não lhe serão aplicáveis as normas previstas no Título VI do CSC. A doutrina comercia- lista critica esta consequência, ponderando envolver uma ofensa, designadamente mas não só, ao princípio da igualdade. Acresce, diz, que uma tal diferenciação de regimes constituiria um incentivo à fuga de investi- mento para o estrangeiro. 10. Da interpretação normativa desaplicada – resultante, como se disse, da conjugação do artigo 334.º do CT com o proémio do n.º 2, do artigo 481.º, do CSC – emerge uma dualidade de regime de garantias dos créditos laborais, consoante a sociedade dominante da entidade patronal portuguesa tenha sede em Portugal ou noutro país. Por força desta dualidade, os trabalhadores ao serviço de sociedades coligadas dominadas por uma sociedade com sede fora do nosso país não podem efetivar contra esta a responsabilidade relativa a créditos emergentes das relações laborais estabelecidas com a sua entidade patronal. Foi esta consequência, resultante da interpretação normativa controvertida, que o Tribunal de Trabalho de Setúbal recusou, por suposta inconstitucionalidade material, consubstanciada na violação do princípio da igualdade. É, pois, ela que nos cumpre apreciar. 11. E começaremos pela ponderação da razão de ser da diferença de tratamento. Em primeiro lugar, nos termos do n.º 3 do artigo 197.º do CSC, a responsabilidade das sociedades comerciais por quotas perante terceiros está, em princípio, limitada ao património social próprio – no caso, ao património da sociedade portuguesa devedora dos créditos laborais. Em segundo lugar, constitui exceção a esta limitação precisamente o artigo 334.º do CT, na medida em que alarga essa responsabilidade, no que respeita a créditos laborais, entre outras, à sociedade dominante. Em terceiro lugar, e de acordo com o disposto no artigo 33.º do Código Civil, compete à lei pessoal das pessoas coletivas regular o regime da sua responsabilidade perante terceiros. Sendo a lei pessoal a da respetiva sede e tendo a sociedade dominante sede na Alemanha, não lhe seria aplicável a lei portuguesa. Consequentemente, a razão da diferença de tratamento conferida, em matéria de créditos laborais, ao trabalhador de uma sociedade portuguesa dominada por uma sociedade estrangeira, consoante esta última tenha a sua sede dentro ou fora do território nacional resultaria, simplesmente, da diferença do direito apli- cável, decorrente do respetivo estatuto pessoal. Não se estaria, pois, perante duas situações iguais, pelo que o tratamento divergente em nada ofenderia o princípio da igualdade, já que teria um fundamento perfeita- mente legítimo. 12. Este raciocínio, aparentemente linear, enfrenta, porém, objeção de monta. Na verdade, o que está em causa não é saber se a diferenciação do regime de garantia dos créditos labo- rais entre trabalhadores de duas sociedades, uma portuguesa e outra estrangeira, é legítima, porque fundada na diversa lei pessoal. Se a questão fosse esta, então a resposta seria necessariamente afirmativa (pelo menos, se a sociedade estrangeira fosse extracomunitária).

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