TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

518 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, r) O princípio do primado do Direito comunitário sobre o Direito interno previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP impõe que qualquer norma de Direito interno incompatível com norma de Direito comunitário deva ser desaplicada, prevalecendo o regime desta. s) Este entendimento tem sido sucessivamente reafirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. t) O artigo 18 do (TFUE) estabelece que «No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas dispo- sições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.» Neste contexto, é indiscutível que a limitação da garantia dos créditos do Recorrido, por força do prémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, não pode senão ser qualificada como uma violação dos princípios da não discriminação e da igualdade constantes do artigo 18.º do TFUE. A noção de liberdade económica, em que se alicerça o direito da União Europeia, depende da aplicação de princípios como o da não discriminação e da igualdade, bem como da consagração de liberdades como a de livre circulação das pessoas e capitais (no quadro de uma união económica e monetária). Se, como vimos, estas ideias se encontram enraizadas no conceito da União, transpostas necessariamente para o quadro legal (e constitucional) em que a União Europeia se funda, então a negação da responsabilidade solidária da Recorrente, com fundamento na sua não residência em Portugal, é também a negação dos pró- prios princípios constitucionais da União. Uma realidade não pode subsistir sem a outra, sob pena de se gerar um desequilíbrio grave que tem como consequência um tratamento desigual entre cidadãos de diferentes Estados-membros, baseado, exclusivamente – e sem qualquer justificação – no critério da respetiva residência. u) O princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, constante do artigo 18.º do TFUE, é imediata e automaticamente aplicável em todos os Estados-membros, na medida em que os mesmos se encontram vinculados ao cumprimento do Direito Comunitário. Independentemente da lei pessoal que, por qualquer motivo, fosse aplicável a uma entidade jurídica que ocupasse uma posição semelhante à da Recorrente, a proibição de discriminação em razão da nacionalidade, constante do referido artigo, ser-lhe-ia sempre aplicável. v) No contexto do direito comunitário, a discriminação implica um efetivo tratamento distinto por um Estado- -membro de uma operação ou situação intracomunitária (transnacional), por comparação com uma situação interna (nacional) que partilhe com aquela uma identidade quanto aos seus aspetos essenciais. w) A jurisprudência uniforme do TJUE ponta no sentido de que «a discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes» x) Entende o Recorrido, à luz da mencionada jurisprudência bem como da doutrina já amplamente citada, que admitir a exclusão da responsabilidade da Recorrente (sociedade comercial com sede noutro Estado-membro) pelos créditos laborais do Recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 334.º do CT e tendo por base a (supos- ta) autolimitação espacial constante do proémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, consubstancia uma vio- lação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da igualdade (na vertente da igualdade dos agentes económicos privados). y) Representa igualmente a frustração das incumbências do Estado em matéria de concorrência empresarial, a quem cabe «Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrên- cia entre as empresas [...]» donde decorre, nos moldes descritos em sede de alegações, a violação do princípio jurídico-constitucional da equilibrada concorrência empresarial [art. 81.º, n.º 1 al. f ) ]da CRP. z) Face ao caracter derivado do primado do direito comunitário e à necessária prevalência destas normas face às normas de direito interno, nos termos e com os fundamentos que acima se ofereceram, que, salvo melhor opinião, bem decidirão V.Exas. caso declarem a inconstitucionalidade, por violação do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, da norma constante do proémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, ex vi do artigo 334.º do CT, na interpretação que exclua a responsabilidade solidária por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, de sociedade em relação de participações recíprocas,

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