TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
494 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tendencial estabilidade da posição jurídica do interessado (por todos, ver Ernst Forsthoff, Traité de Droit Administratif Allemand, 1969, p. 247; Judith Martins-Costa, «A ressignificação do princípio da segurança jurídica na relação entre o Estado e os cidadãos», in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas , p. 27 (2004), p. 113). Ora, no presente caso, nem uma nem outra dimensão do “princípio da segurança jurídica” se encontra afetada. Por um lado, começando pela “segurança na implementação”, já se demonstrou que a entrada em vigor da nova redação do Estatuto do Medicamento não afeta, de modo algum, a concreta posição jurídica vantajosa das recorrentes, na medida em que o seu exclusivo de patente permanecerá em vigor até ao termo do prazo legal, não afetando a AIM de que beneficiam, por força de decisão administrativa anterior. Como já supra demonstrado (cfr. § 6), a nova AIM conferida à recorrida B. não a habilita a comercializar efetivamente o medicamento patenteado pelas recorrentes, salvo quando esse prazo de exclusividade decorrente do “direito de propriedade industrial” se tiver esgotado. Até lá, a administração pública e os tribunais portugueses garan- tem todos os meios procedimentais e processuais adequados à proteção de tal direito. Por outro lado, nem sequer a “certeza na orientação” fica prejudicada por força da aplicação retroativa da lei interpretativa à redação dos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Estatuto do Medicamento. É que, mesmo em momento anterior à sua entrada em vigor, aquela já era a interpretação acolhida, de modo reiterado e consolidado, quer pela atuação quotidiana do Infarmed, quer pela jurisprudência administrativa portuguesa. Com efeito, a jurisprudência mais recentemente consolidada nos tribunais administrativos salienta que, já anteriormente à entrada em vigor das normas interpretativas constantes da Lei n.º 62/2011, se podia enten- der que a aferição de alegada violação de “direitos de propriedade industrial” não constituía fundamento de indeferimento de pedido de AIM de medicamentos, ainda que houvesse controvérsia jurisprudencial sobre a matéria. Precisamente por subsistirem posições divergentes, a Lei n.º 62/2011, mediante recurso a normas interpretativas, optou por clarificar qual a “interpretação autêntica” a conferir ao regime de AIM. Nesse sentido, já se pronunciaram quer o Supremo Tribunal Administrativo (para além da decisão ora recor- rida, ver ainda os acórdãos proferidos em 9 de janeiro de 2013, proc. n.º 0771/2012, e em 7 de fevereiro de 2013, proc. n.º 1256/12), quer o Tribunal Central Administrativo Sul (para além da decisão proferida nos autos recorridos, ver ainda os acórdãos proferidos em 7 de fevereiro de 2013, proc. n.º 1255/12 e proc. n.º 09581/12, e em 21 de fevereiro de 2013, Proc. n.º 08914/12). Face a esta divergência jurisprudencial não podem as recorrentes invocar qualquer situação de afetação da “certeza na orientação”, por parte da norma interpretativa extraída do artigo 9.º da Lei n.º 62/2011, pre- cisamente porque ela veio fixar como autêntica determinada interpretação já anteriormente acolhida pelos tribunais administrativos portugueses, ainda que não unanimemente. Nesse sentido, pode afirmar-se – com Batista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, p. 285, nota – que a norma em causa nem sequer se apresenta como retroativa proprio sensu , já que se limitou a fixar como autêntica uma interpretação normativa já aplicável no passado, visto que se coadunava com o “sentido possível das palavras” inscritas na lei interpretada. Não pode, portanto, sequer falar-se em retroatividade proprio sensu , visto que o parâmetro norma- tivo clarificado e reafirmado pela norma interpretativa contida no artigo 9.º da Lei n.º 62/2011 já podia ser, legitimamente, extraído do Estatuto do Medicamento, tal como vigente na redação do Decreto-Lei n.º 176/2006. E, mais do que isso, tratando-se este último ato legislativo de um ato interno de transposição da Diretiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, mais razões havia para que não se tivesse consolidado, na esfera jurídica das recorrentes, qualquer expetativa jurí- dica (ou, muito menos, um interesse normativamente protegido) de que o Infarmed estive obrigado a apre- ciar uma alegação de violação de “direitos de propriedade industrial”, no procedimento administrativo de concessão de uma AIM de medicamento. É que o texto de tal diretiva é inequívoco ao determinar que essas questões controvertidas não são objeto de apreciação quando o competente órgão administrativo ponderar a concessão de uma AIM.
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