TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

493 acórdão n.º 216/15 mesmo afirmar-se que o sentido interpretativo revelado – ou, antes, reforçado – pela norma interpretativa já se encontrava presente no espírito da norma interpretada (ainda que imperfeito ou duvidoso), sendo ele passível de ser extraído do próprio “sentido possível das palavras” anteriormente contidas na lei interpretada (assim, ver Batista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, p. 285, nota). É esse também o entendimento de Oliveira Ascensão, quando a qualifica como um mecanismo privilegiado de “interpretação autêntica” (cfr. O Direito – Introdução e Teoria Geral, 9.ª edição, 1995, pp. 500-501). Ora, precisamente por esse sentido interpretativo já se encontrar, originariamente, impresso na norma interpretada, a própria lei portuguesa (cfr. artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil), determina a sua retroativi- dade, mediante a sua integração na primeira e assim operando uma novação da fonte normativa originária (nesse sentido, ver Oliveira Ascenção, O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., pp. 502-503; Pires de Lima/ Antunes Varela, in C ódigo Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 2010, p. 62). Acresce que o próprio n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil ressalva os efeitos jurídicos entretanto já produzidos, quer por força do cumpri- mento da obrigação, quer por sentença já transitada, quer por transação, ainda que não homologada. Daqui resulta que o próprio regime jurídico da lei interpretativa denota uma intensa preocupação em salvaguardar (e salvaguarda) o princípio da segurança jurídica, garantindo que essa retroatividade não é plena, afetando toda e qualquer situação passada. Partindo deste enquadramento, importa notar que, de acordo com o que atrás se disse, nem sequer se pode afirmar que a redação conferida aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Estatuto do Medicamento se deva considerar como ofensiva do “conteúdo essencial” do direito à liberdade de criação científica e do direito à propriedade privada. O que, desde logo, afastaria a proibição de retroatividade desfavorável que as recorren- tes extraem do n.º 3 do artigo 18.º da CRP. Mas, mesmo que tal se admitisse – o que não sucede, mas por mera exaustão de fundamentação se pon- dera –, importaria sempre aferir se a medida legislativa em causa é verdadeiramente ofensiva do “princípio da segurança jurídica” e, como tal, da proibição de retroatividade desfavorável. Tem vindo a ser entendido que o “princípio da segurança jurídica” se pode desdobrar numa “dimensão apriorística” e numa “dimensão aposteriorística”. Na sua “dimensão apriorística”, o princípio é entendido enquanto elemento de “certeza na orientação” (ou certitudo ) das condutas humanas (assim, ver Theodor Gei- ger, Vorstudien zu einer Soziologie des Rechts, 1987, pp. 63-66; Reinhold Zippelius, Filosofia do Direito, 2010, p. 215). Na sua “dimensão aposteriorística”, ele impõe uma “segurança na implementação” (ou securitas ) das situações da vida já ocorridas, dentro de uma determinada ordem jurídica (assim, ver Theodor Geiger, Vorstudien zu einer Soziologie des Rechts, cit., pp. 63-66; Reinhold Zippelius, Filosofia do Direito, cit., p. 216). Através da “certeza na orientação”, cabe aos poderes públicos adotar normas jurídicas suficientemente claras, precisas e esclarecedoras, que possam servir de parâmetro de reflexão e decisão pelo indivíduo, bem como garantir a estabilidade no método e conteúdo de tomada de decisões jurídico-públicas, sejam elas “atuações administrativas” ou “decisões jurisdicionais”. Nesse sentido, ver Andreas von Arnauld, Rechtssicherheit, 2006, pp. 167-270; Christian Tietje, Internationalisiertes Verwaltungshandeln, 2002, pp. 617-621; Gomes Cano- tilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2002, p. 258; Eberhard Schmidt-Aßmann, La Teoría General del Derecho Administrativo como Sistema, 2003, pp. 205-206; Emanuel Towfigh, Komplexität und normenklarheit, in Preprints of the Max Planck Institute for Research ond Collective Goods , Berlin, 2008/22, pp. 4-6; Reinhold Zippelius, Filosofia do Direito, cit., pp. 215-217; Freitas Rocha, «Direito pós-moderno, patologias normativas e proteção da confiança», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto , VII – Especial (2010), p. 384; Maria Lúcia Amaral, «A proteção da confiança», in V Encontro dos Professores de Direito Público , Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, Lisboa, 2012, p. 21. Mas, o “princípio da segurança jurídica” exige ainda uma “segurança na implementação”, de tal modo que o seu beneficiário possa estar seguro de que os poderes público intervirão, para garantia dos seus direitos subjetivos e interesses normativamente protegidos, em momento subsequente à consolidação da sua posição jurídica. No caso das decisões administrativas previamente tomadas, estas geram um efeito de consolidação jurídico-administrativa – mais ou menos intensa, consoante as suas especificidades – gerando um efeito de

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