TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
492 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL para a comercialização efetiva de um medicamento, após concedida uma AIM, é de 3 anos (cfr. 77.º, n.º 3, do Estatuto do Medicamento). Ora, é perfeitamente racional – e compreensível, no plano da eficiência eco- nómica – que um interessado em comercializar um medicamento genérico possa dar início ao procedimento administrativo tendente à obtenção de uma AIM antes que o referido prazo de 20 anos tenha expirado. Em boa verdade, sujeitar esses interessados a aguardar o esgotamento do prazo do direito de exclusividade é que se configuraria como uma restrição desproporcionada do seu “direito à iniciativa privada” (cfr. artigo 61.º da CRP) e, reflexamente, do “direito à saúde” (cfr. artigo 64.º da CRP) dos potenciais interessados em adquirir esse medicamento a preços mais baixos. Aliás, o regime jurídico da autorização de introdução no mercado de medicamento parece até ter bas- tante em conta a necessidade de compatibilizar os direitos conflituantes dos vários interessados. Isto porque, na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Estatuto do Medicamento, se esclarece que cabe ao titular da AIM, “[a]lém de outras obrigações impostas por lei” – isto é, incluindo as que são fixadas pelo regime jurídico da propriedade industrial –, comercializar o medicamento e assumir “todas as responsabilidades legais pela introdução do medicamento no mercado, no respeito pela lei ” (itálico nosso). Além disso, a concessão de uma AIM não isenta o respetivo titular de qualquer responsabilidade civil ou criminal, por violação de outros deveres jurídicos (cfr. artigo 14.º, n.º 4, do Estatuto do Medicamento). Em suma, a interpretação normativa extraída da conjugação entre os artigos 25.º, n. os 1 e 2, e 179.º, n. os 1 e 2, do Estatuto do Medicamento, no sentido de o órgão administrativo competente – v. g. , o Infarmed – não dispor de poderes legais para recusar a concessão de AIM a um medicamento, com fundamento numa alegada violação de direitos de propriedade industrial, não afeta o conteúdo essencial do direito à criação científica (cfr. artigo 42.º da CRP) nem do direito à propriedade privada (cfr. artigo 62.º da CRP), nem tão pouco comporta uma restrição desproporcionada desses mesmos direitos. Como atrás se disse, as mesmas ponderações são válidas para o artigo 8.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2011, quando interpretado no sentido de proibir que o INFARMED’ afira, no contexto do processo de autorização do preço de venda ao público (PVP), da violação de direitos de propriedade industrial por parte do medica- mento objeto desse procedimento, obrigando-o, desse modo, a deferir requerimentos de aprovação de PVP para medicamento violador desses direitos ou impedindo-o de alterar, suspender ou revogar um PVP com fundamento na violação dos mesmos direitos por parte do medicamento dela objeto. 8. As recorrentes retiram ainda que a interpretação normativa que temos vindo a apreciar seria inconsti- tucional, por ofensa ao artigo 266.º da CRP, na medida em que dele pretendem extrair um “direito à tutela administrativa efetiva”, de modo tal que a administração pública estivesse obrigada a proteger os seus (ale- gados) “direitos de propriedade industrial”, mesmo contra a lei expressa. Ora, além da garantia genérica de “respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (cfr. n.º 1 do artigo 266.º da CRP), as recorrentes invocam igualmente o n.º 2 do artigo 266.º da CRP, que determina que a “[o]s órgãos e agen- tes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei”. Tendo chegado à conclusão que não se verifica a violação de qualquer direito, liberdade e garantia, ou de direito de natureza análoga, a discussão desta questão mostra-se prejudicada. 9. Somente aqui chegados, pensamos estar em condições de apreciar a primeira questão de inconsti- tucionalidade invocada pelas recorrentes, no seu requerimento inicial, ou seja, a de que o artigo 9.º da Lei n.º 62/2011, por se tratar de uma norma interpretativa, incorporada por via da nova redação dos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Estatuto do Medicamento, também seria inconstitucional, quer por constituir uma restrição retroativa de “direitos, liberdades e garantias”, quer por “representar uma ingerência do poder legis- lativo no poder judicial” (sic), na medida em que – na perspetiva das recorrentes – inviabilizaria o direito a impugnar, jurisdicionalmente, a decisão administrativa proferida em matéria de AIM. Deve começar por notar-se que, por força do n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil, a norma interpre- tativa integra-se na lei interpretada, formando com ela um todo de sentido prescritivo. Nesse sentido, pode
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