TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

491 acórdão n.º 216/15 justificada pela necessidade de proteção de outros bens jurídicos constitucionalmente protegidos. Desde logo, o “direito à iniciativa privada” das empresas concorrentes – e, em particular, as empresas produtoras e comercializadoras de medicamentos genéricos; e igualmente, o próprio “direito à saúde” por parte dos indi- víduos que carecem do acesso a medicamentos a preços mais baixos. Isto é, nenhum direito fundamental se deve configurar como absoluto e irrestringível, face a outros direitos fundamentais igualmente tutelados pela Constituição. Ora, se assim é, a interpretação normativa, ora em análise, ao determinar que não cabe ao Infarmed o controlo, em sede de procedimento administrativo de concessão de AIM, de uma alegada violação do “direito de propriedade industrial” não está a amputar, de modo definitivo, o exercício desse mesmo direito de defesa. Em primeiro lugar, porque a circunstância de o titular de uma direito a patente não poder discutir a alegada violação do seu “direito de propriedade industrial” naquela sede não o impede de reagir, jurisdicio- nalmente, contra os potenciais infratores, designadamente através de um pedido de constituição de tribunal arbitral, tal como previsto, precisamente, pelo artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, que optou – ao abrigo da liberdade de decisão política do legislador – por prever um mecanismo extrajurisdicional de litígios relativos à determinação da propriedade industrial de medicamentos. Em segundo lugar, o próprio artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial (CPI) tipifica como crime essa ofensa ao referido “direito de propriedade industrial”, facultando o Estado ao titular do direito de patente os meios indispensáveis à defesa dos seus direitos, designadamente, através da apresentação de queixa criminal e da eventual constituição como assis- tente no referido procedimento criminal. E aliás, em terceiro lugar, deve notar-se que a alínea c) do artigo 102.º do CPI expressamente exclui da proteção do direito de exclusividade resultante da patente “os atos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, não podendo, contudo, iniciar-se a exploração industrial ou comercial desses produtos antes de se verificar a caducidade da patente que os protege ” (com itálico nosso). Daqui decorre que tais atos de ensaio – com vista a posterior pedido de AIM – não configuram o ilícito típico penal previsto e punido pelo artigo 321.º do CP, precisamente porque não ofendem o bem jurídico “propriedade industrial”. E é também por isso que o n.º 8 do artigo 19.º do Estatuto do Medicamento expressamente determina, em sentido idêntico, que os ensaios necessários a instruir o procedimento admi- nistrativo de concessão de uma nova AIM não são passíveis de ser configurados como uma ofensa ao “direito de propriedade industrial” de terceiros. Mais uma vez, só a comercialização efetiva desse medicamento logra- ria esse efeito ofensivo. Com efeito, nem a mera submissão de requerimento de concessão de uma AIM, nem sequer o próprio ato autorizativo final são aptos a afetar a esfera jurídica dos titulares de alegado “direito de propriedade industrial”, pela simples circunstância de que tal ato só incide sobre a verificação das caraterísticas técnicas do medicamento, mas não já sobre a sua aptidão para ser alvo de comercialização (assim, ver Remédio Marques, Direito de patente sobre o medicamento de referência e os procedimentos de emissão de AIM e de fixação do preço respeitantes ao medicamento, cit., p. 77). E, aliás, como os artigos 19.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, bem ressalvam – determinando: “Sem prejuízo dos direitos de propriedade industrial” –, o requerente de uma nova AIM encontra-se proibido de encetar os actos associados à comercialização ou (muito menos) de comercializar efetivamente o medicamento que (ainda) se encontre protegido pelo direito de exclusividade concedido pela patente (assim, ver Remédio Marques, cit., p. 92). Tudo visto, o requerente de uma nova AIM mantém-se adstrito a um dever de respeito desse exclusivo, que não é afetado pela mera apresentação de um pedido de concessão de AIM ou, tão pouco, pela efetiva concessão dessa autorização. Aliás, mal se perceberia – e, essa sim, poderia configurar uma solução norma- tiva inconstitucional – que os potenciais interessados em comercializar um medicamento cujo direito de exclusividade estivesse prestes a esgotar-se não pudessem iniciar o procedimento administrativo tendente à obtenção de AIM, antes de esse direito de exclusividade ter efetivamente caducado. É que, recorda-se, o exclusivo decorrente da patente tem uma duração de 20 anos (cfr. artigo 99.º do CPI), e o prazo máximo

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