TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL legislativa parlamentar ‘as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos ‘direitos análogos’, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a atuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias’.» Ora, conforme demonstra a decisão recorrida, a circunstância de as normas extraídas dos artigos 25.º, n. os 1 e 2, e 179.º, n. os 1 e 2, do Estatuto do Medicamento, e do artigo 8.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2011 (que lhe deu a atual redação), determinarem que o competente órgão do Infarmed, ao ponderar uma decisão administrativa de AIM, não pode incluir, como fundamento de indeferimento (ou de futura suspensão ou revogação), a comprovação – por via meramente administrativa – de uma alegada violação de direitos de propriedade industrial nem sequer afeta o “conteúdo essencial” do direito fundamental em causa. Assim é porque não só a lei reserva para outras entidades – administrativas (no caso, o INPI) e jurisdicionais (os tribunais arbitrais, previstos pela Lei n.º 62/2011) – a competência para conhecer de litígios quanto aos “direitos de propriedade industrial”, como uma mera decisão administrativa de AIM não implica qualquer lesão daqueles direitos, simplesmente porque ela só produz efeitos plenos, quando tenha expirado o prazo decorrente do “direito de patente” respetivo. É, aliás, isso mesmo que se verifica quando se procede à leitura do artigo 77.º, n.º 3, do Estatuto do Medicamento, que determina: «(…) Artigo 77.º Regime de comercialização (…) 3 – A não comercialização efetiva do medicamento durante três anos consecutivos, por qualquer motivo, desde que não imposto por lei ou decisão judicial imputável ao INFARMED ou por este considerado como justificado, implica a caducidade da respetiva autorização ou registo, após a notificação prevista no n.º 3 do artigo seguinte.» Ou seja, daqui decorre que a mera concessão de uma AIM não confere, por si só e automaticamente, qualquer direito de comercialização imediata. Pelo contrário, aquele preceito legal expressamente salvaguarda que não se pode proceder à comercialização imediata desse medicamento, salvo quando tenha expirado o prazo de exclusividade que a patente concede a outro fabricante. Só assim se pode interpretar a expressão “desde que não imposto por lei”. Evidentemente, a lei que protege o “direito de propriedade industrial” das recorrentes impede, assim – por si só – a comercialização efetiva do medicamento. De onde se conclui que, em boa verdade, mesmo que o competente órgão do Infarmed concedesse uma AIM, relativa a medicamento cujo “direito de patente” estivesse ainda sob proteção, essa decisão não é apta a afetar, de modo concreto e efetivo, o direito das ora recorrentes (em sentido idêntico, ver Remédio Marques, “Direito de patente sobre o medicamento de referência e os procedimentos de emissão de AIM e de fixação do preço respeitantes ao medicamento”, in Medicamentos Versus Patentes – Estudos de Propriedade Industrial , 2008, p. 146). De certo modo, pode mesmo afirmar-se que a referida decisão de concessão de AIM pode ser configurada como um verdadeiro “ato administrativo sob condição suspensiva (de fonte legal)”. Apenas findo o prazo de proteção da patente, ficam os beneficiários daquela AIM autorizados a exercê-la plenamente. Por essa razão, a interpretação acolhida pela decisão recorrida não ofende o “direito à propriedade industrial”. E ainda que houvesse tal afetação – o que se pondera por mera exaustão de fundamentação –, sempre se diria que ela não entra em colisão com o “conteúdo essencial do direito à propriedade industrial” nem com “princípio da proporcionalidade” (cfr. artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP). Assim sendo, mesmo que se admi- tisse que a mera concessão de uma AIM, sem comercialização efetiva, já seria apta a comprimir o “direito à criação científica” (cfr. artigo 42.º da CRP) e o “direito à propriedade privada” (cfr. artigo 62.º da CRP) – na medida em que permitiria prognosticar, de forma bem mais concretizável, a perda da exclusividade da patente de que beneficiariam, fazendo, por essa via, diminuir o valor económico da mesma –, impor-se-ia reconhecer que essa compressão (mínima) do âmbito máximo daquele “direito à propriedade privada” estaria
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