TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

489 acórdão n.º 216/15 artística e científica». Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que «Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção legal dos direitos de autor»). Na mesma ordem de ideias, entendemos que, em ultima ratio , também decorre deste normativo constitucional a qualificação simultânea dos direitos de propriedade industrial, ou, melhor dizendo, dos direitos de propriedade intelectual ou «espiritual», in totum , como direitos fundamentais de personalidade e como direitos fundamentais de propriedade sobre coisas incorpóreas, sendo certo que, como mais à frente se explicará, esta dúplice natureza emerge agora unificada por força do acolhimento de uma «teoria monista» que postula a consagração constitucional de um direito fundamental autoral « sui generis englobador de elementos jurídicos-pessoais e de elementos jurídico-patrimoniais» 32 ( 32 Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho, Liberdade e Exclusivo na Constituição, cit., loc. cit. p. 221. Vide infra, 1.4. Aludindo à convergência dos direitos de pro- priedade intelectual. cfr. Kur in Schrickerl Dreierl Kur (org.). Geistiges Eigentum im Dienst der lnnovation, 2001. p. 23: Derclaye/ Leistner, Intellectual Property Overlaps – A European Perspetive, 2010), como parte integrante do conteúdo essencial da liberdade fundamental de criação cultural. Nesta linha, o fundamento último ou «radi- cal» da dupla dimensão, «moral» e «patrimonial», caracterizadora do objeto de todos os direitos de propriedade intelectual, sejam eles direitos de propriedade industrial tout court , sejam direitos de autor em sentido estrito, rectius , que integra o objeto do «direito de troncalidade autoral», mergulha as suas raízes mais profundas no extenso e multifacetado conteúdo desta liberdade constitucionalmente consagrada. Isto, sem prejuízo de, como adiante se dirá, sempre existir a possibilidade de ancorar a sua fundamentalidade jurídico-constitucional no direito fundamental de propriedade privada, contemplado no artigo 62.º da Lei Fundamental Portuguesa 33 . ( 33 Desde logo, porque no centro nevrálgico desta temática jus-fundamental, para além da «liberdade de criação intelectual, artística e científica», está presente indubitavelmente a “liberdade inerente à propriedade intelec- tual», E a verdade é que alguma «doutrina constitucional inclui no âmbito normativo dos direitos de proprie- dade “propriedade espiritual” ou “propriedade intelectual’ de forma a alargar o âmbito de proteção deste direito aos direitos de autor, às marcas e às patentes». Ibidem, pp. 219-220)». No mesmo sentido – ou seja, no sentido da inserção deste tipo de direitos autorais numa conceção ampla de “propriedade privada” –, também se tem pronunciado a doutrina: Fausto de Quadros, A Proteção da Proprie- dade Privada pelo Direito Internacional Público, 1998, pp. 190-220; Miguel Nogueira de Brito, A Justificação da Propriedade Privada numa Democracia Constitucional, 2007, pp. 905-907, p. 935 e pp. 947-951. Porém, a aceitação da jusfundamentalidade do “direito à propriedade industrial”, por via da proteção simultânea dos artigos 42.º e 62.º da CRP não determina, necessariamente, que a interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida seja contrária à Constituição, nem tão pouco que tal direito fundamental não possa ser objeto de restrição, desde que respeitando o “conteúdo essencial” do direito e o princípio da proporcionalidade para prossecução de outros valores constitucionalmente protegidos. Assim sendo, importa averiguar se a interpretação normativa adotada comporta uma ofensa ao “con- teúdo essencial” daquele direito fundamental (artigo 18.º, n.º 3, da CRP), seja ele configurado como um “direito, liberdade e garantia”, seja ele configurado como um “direito análogo”. Isto porque, conforme o Tribunal tem notado, nem todas as faculdades extraídas do “direito à propriedade privada” integram o núcleo intrinsecamente caraterístico daquele direito, sendo que apenas as faculdades por ele abrangidas beneficiam da aplicação análoga do regime dos “direitos, liberdades e garantias”. Assim o afirmou o Acórdão n.º 329/99, sem qualquer margem para dúvidas: «(...) apesar de o direito de propriedade privada ser um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nem toda a legislação que lhe diga respeito se inscreve na reserva parlamentar atinente a esses direitos, liberdades e garantias. Desta reserva fazem apenas parte as normas relativas à dimensão do direito de propriedade que tiver essa natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Como, embora a outro propósito, se sublinhou no acórdão n.º 373/91 (publicado no Diário da República , I Série-A, de 7 de novembro de 1991), cabem na reserva

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