TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

486 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Resulta, assim, claro que o direito de propriedade a que se refere aquele artigo da Constituição não abrange apenas a proprietas rerum, os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade industrial, mas tam- bém outros direitos que normalmente não são incluídos sob a designação de «propriedade», tais como, designada- mente, os direitos de crédito e os “direitos sociais” – incluindo, portanto, partes sociais como as ações ou as quotas de sociedades (na doutrina, no sentido de que o conceito constitucional de propriedade tem de ser equivalente a património, cfr. Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do estado e dever de indemnizar do legislador, Coimbra, 1998, pp. 548 e 559).» Seguindo orientação similar, referindo-se ao direito de propriedade intelectual, fazendo apelo não só ao direito de propriedade mas igualmente à liberdade de criação científica, tal como consagrada no artigo 42.º da CRP, ver ainda o Acórdão n.º 577/11 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) . «(…) O bem jurídico tutelado por esta incriminação reside nos direitos de autor, os quais se apresentam como valores constitucionalmente relevantes, nos termos dos artigos 42.º, n.º 2 e 62.º da Constituição. A tutela da pro- priedade intelectual apresenta-se, no plano da nossa Constituição, como uma tutela multifacetada. Com efeito, a propriedade intelectual é, antes de mais, propriedade privada, abrangida, portanto, no núcleo essencial do direito fundamental de propriedade, nos termos do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição (nesse sentido se pronunciou já o Tribunal no acórdão n.º 491/2002, publicado no Diário da República , II Série, de 22 de janeiro de 2003). Mas a tutela dos direitos de autor não se consome na proteção que o Estado concede à propriedade. A Cons- tituição estabelece, no capítulo II do Título respeitante aos direitos, liberdades e garantias, sob a epígrafe “direitos, liberdades e garantias pessoais”, que a liberdade de criação cultural inclui a proteção legal dos direitos de autor. A propriedade intelectual surge, assim, integrada no âmbito do regime específico dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando, portanto, de uma tutela mais intensa do que a que, em primeira linha, a Constituição reserva aos direitos económicos, sociais e culturais, enquadrados no Título III (ressalvando-se as devidas equiparações no caso dos direitos análogos, nos termos do artigo 17.º). 7.2. A proteção constitucional dos direitos de autor resulta, por conseguinte, não só da proteção da proprie- dade, entendida essencialmente como espaço de defesa pessoal perante a ingerência pública, mas também da tutela da personalidade, enquanto liberdade pessoal de criação. Trata-se da manifestação do direito ao desenvolvimento da personalidade, autonomizado, pela revisão constitucional de 1997, no artigo 26.º, n.º 1. A propósito da natureza complexa da propriedade intelectual, Gomes Canotilho fala num direito de troncali- dade autoral com várias irradiações: como direito unitário, como direito de personalidade, como direito humano, como direito de propriedade, como direito privado, como direito de liberdade e como direito exclusivo. Não se lhe oferecem, no entanto, quaisquer dúvidas de que se trata de um direito fundamental (cfr. “Liberdade e exclusivo na Constituição”, in Estudos sobre direitos fundamentais, Coimbra Editora, 2008, pp. 220-223). 7.3. Para além da tutela interna, os direitos de autor beneficiam, entre nós, da tutela internacional resultante quer de documentos de índole convencional subscritos no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), quer da tutela específica no âmbito da ordem europeia. No primeiro caso, importa observar que o acordo ADPIC/ TRIPS impõe já, no seu artigo 61.º, aos membros que estatuam sanções penais para a contrafação de marca e a pirataria em relação ao direito de autor em escala comercial. No mesmo artigo, prevê-se também a possibilidade de a tutela pena se alargar a outras áreas da proteção da propriedade intelectual, para além daquelas obrigações explícitas de criminalização, particularmente quando estiverem em causa ofensas voluntárias e em escala comercial. Quanto ao segundo espaço normativo referido, saliente-se que a questão da proteção da propriedade intelec- tual na atual União Europeia por via da tutela penal, não é tema novo. Foi ponderado, num primeiro momento, a propósito da Diretiva 2004/48/CE, atualmente em vigor, tendo sido posteriormente retomado na proposta de Diretiva COM(2006)168 final, relativa às medidas penais destinadas a assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. Na exposição de motivos desta proposta, dizia-se que a contrafação e a pirataria são fenó- menos em expansão, com relevância internacional, que consubstanciam uma séria ameaça às economias nacionais (cfr. a este propósito, Paulo de Sousa Mendes, “A tutela penal de direitos de propriedade intelectual na Proposta

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