TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
485 acórdão n.º 216/15 se situam os titulares de direitos de propriedade industrial relativos a produtos de outros domínios da técnica e da actividade económica”, não demonstram minimamente onde se situa essa diferença, nem indicam qual o termo comparativo entre posições jurídicas concretas, no qual baseiam a sua afirmação. De qualquer modo, sempre se dirá que não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade, na medida em que, por um lado, independentemente da AIM, a protecção do direito de propriedade industrial se mantém e, por outro lado, os medicamentos gozam de características que os individualizam dos produtos de outros domínios da técnica e da actividade económica e, além disso, destinam-se a produzir efeitos em sede de saúde humana, o que não sucede com outros produtos. Assim sendo, centremos a nossa análise no cerne da argumentação esgrimida pelos recorrentes, ou seja, a determinação acerca de uma eventual violação da proibição de restrição desproporcionada de direitos fun- damentais. Recapitulando, de acordo com as alegações das recorrentes, a opção legislativa – decorrente da transpo- sição da opção normativa decorrente da Diretiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, afeta, de modo desproporcionado, o “conteúdo essencial” dos seus direitos fun- damentais à proteção da criação científica (artigo 42.º, da CRP) e da propriedade privada (artigo 62.º, da CRP), por permitir que sejam adotadas decisões administrativas de AIM, sem averiguação de uma alegada violação de direitos de propriedade industrial. 7. Antes de avançar, importa começar por caraterizar a natureza jurídico-constitucional do próprio “direito à propriedade industrial”, para dele discernir (ou não) a sua específica tipologia de direito funda- mental. Neste caso, as recorrentes não só o qualificam como um “direito, liberdade e garantia”, por via direta – por decorrer diretamente da proteção que é conferida à liberdade de criação científica (cfr. artigo 42.º da CRP) –, como por via indireta, por configurar uma manifestação do “direito à propriedade privada” (cfr. artigo 62.º da CRP), que – na sua ótica – se deve considerar um “direito análogo a direitos, liberdades e garantias” (cfr. artigo 17.º da CRP). Anote-se, desde já, porém, que – quer se qualifique tal direito de um ou de outro modo –, certo é que a sua eventual restrição sempre implicaria ponderar se ela afronta, ou não, o “princípio da proporcionalidade”. É certo que a fonte jusconstitucional desse princípio poderia variar consoante se qualifique o direito em causa como “direito, liberdade e garantia” (ou como “direito análogo”) ou como “direito económico”. No primeiro caso, a exigência de proporcionalidade resultaria diretamente do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, enquanto no segundo caso, essa mesma exigência extrair-se-ia, essencialmente, do “princípio do Estado de Direito” (cfr. artigo 2.º da CRP) – neste sentido, ver Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, 2004, p. 264; Paulo Otero, Direito Constitucional Português, Volume I, 2010, p. 104. Antes de mais, importa averiguar se o direito de propriedade industrial se deve, ou não, incluir no direito de propriedade privada. A jurisprudência constitucional tem vindo a densificar o conceito de “propriedade privada” nele incluindo “tanto o direito de propriedade – a propriedade stricto sensu e qualquer outro direito patrimonial – como o direito à propriedade, ou direito de acesso a uma propriedade” (cfr. Acórdão n.º 257/92, disponí- vel in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ , com itálico nosso). Daqui decorre que o próprio direito de propriedade privada tanto protege a propriedade privada previamente consolidada na ordem jurídica, como um potencial direito de aceder, ex novo , a essa propriedade – de onde se poderia, extrair, de alguma medida, a própria proteção constitucional às empresas produtoras de medicamentos genéricos, que pretendem aceder ao conteúdo patrimonial decorrente do uso e comercialização de medicamento anteriormente patenteado, em função de determinada descoberta científica positivamente valorada pelo Estado, que a reconhece. Mas, especificamente sobre o “direito de propriedade industrial”, este Tribunal também já o incluiu no âmbito de proteção do “direito à propriedade privada” previsto no artigo 62.º da CRP. Por exemplo, no Acórdão n.º 491/02 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) expressamente se afirmou que:
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