TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
479 acórdão n.º 216/15 58. Contrariamente ao que também afirmam as Requerentes, o n.º 1 do artigo 9.º da lei n.º 62/2011 não representa qualquer intervenção do legislador na independência do poder judicial, uma vez que esse legislador, face às dúvidas provocadas pelas normas dele emanadas, recorreu ao meio adequado para lhes colocar um ponto final: a lei interpretativa autêntica. 59. A acusação, feita pelas Recorrentes, de que existiria uma ingerência do poder executivo no poder judicial, pelo facto de a lei n.º 62/2011 ter na sua origem uma proposta de lei aprovada em Conselho de Ministros não tem qualquer sentido, uma vez que a iniciativa legislativa parlamentar é desprovida de qualquer consequência jurídica, para além de desencadear um procedimento legislativo, não mudando em nada a ordem jurídica, nem se repercu- tindo das relações e situações da vida. 60. Atenta a evidente ausência de similitude entre a situação no mesmo abordada e que deu origem aos pre- sentes autos, não tem qualquer validade a invocação, pelas Recorrentes, do decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 28/83. É que, no caso vertente, não está em causa qualquer convalidação legislativa por parte da Administração Pública, ainda que agindo nas vestes de legislador, de atos eventualmente ilegais, mas antes a apro- vação, pela Assembleia da República, e por decisão quase unânime, de uma lei interpretativa. 61. Insistimos: o sentido da legislação interpretativa não foi o de convalidar qualquer ato administrativo ilegal, mas o de pôr fim à incerteza jurídica reinante, por via de uma interpretação autêntica que clarificou o sentido a dar a essas normas, em obediência ao direito nacional e ao direito europeu. 62. O artigo 2.º da lei n.º 62/2011 não exclui o acesso à jurisdição administrativa relativamente a litígios que respeitem ao procedimento das AIM e PVP que digam respeito ao objeto dos respetivos procedimentos. De facto, arredadas que estão as questões de propriedade industrial dos procedimentos relativos às AIM, os atos adminis- trativos envolvidos nesses procedimentos podem, naturalmente, ser impugnados nos tribunais administrativos, na medida em que os mesmos respeitem ao objeto e ao fim legal da AIM, tal como decorre da legislação aplicável. 63. Não existe, por conseguinte, qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional garantida pela jurisdição administrativa, cabendo à lei regular o âmbito de competência da mesma jurisdição em razão do objeto e do fim do procedimento e da matéria que se encontra sujeita ao contencioso administrativo. 64. A submissão da arbitragem necessária dos litígios relativos a questões que envolvem direitos de propriedade industrial não cria qualquer vazio de tutela jurisdicional, não nega o recurso a uma tutela jurisdicional efetiva e não restringe o acesso ao direito. 65. Não cria um vazio de tutela jurisdicional na medida em que a lei remete, direta ou indiretamente, dife- rentes tipos de litígios para jurisdições diversas, em razão da matéria: litígios que tenham a ver com o escopo e objeto do procedimento administrativo da AIM para os tribunais administrativos; litígios respeitantes ao direito de propriedade industrial para jurisdições arbitrais necessárias com a faculdade de recurso para os tribunais cíveis; e crimes decorrentes da violação dos direitos de propriedade industrial para os tribunais criminais. 66. Por seu turno, a submissão do litígio à via arbitral necessária não viola o direito de acesso à justiça, porque: a) A norma do n.º 2 do artigo 209.º da CRP inclui explicitamente os tribunais arbitrais como uma de entre as diversas categorias de tribunais e a jurisprudência do Tribunal Constitucional ratifica este entendimento; b) Como tal, o acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, na letra e na teleologia do n.º 1 do artigo 20.º da CRP não se restringe ao universo dos tribunais estaduais, mas abrange todas as categorias de tribu- nais previstos na Constituição; c) Integrando os tribunais arbitrais o próprio sistema de justiça, não será inconstitucional, por colisão ou interferência com o princípio do acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, uma norma legal que submeta necessariamente à via arbitral um determinado litígio, já que se trata de um dos modos possíveis de exercício desse direito; d) A lei sindicada não estabelece uma proibição ou uma restrição à interposição de recurso ordinário da decisão final da instância arbitral para os tribunais estaduais, pois o seu artigo 3.º estabelece, ao invés, que da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, o que garante que o acesso aos tribunais judiciais.
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