TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
478 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL permitem que, no âmbito do procedimento de AIM ou de PVP, o INFARMED proceda à apreciação da existência de direitos de propriedade industrial. 53. A diversa questão de constitucionalidade suscitada, segundo a qual a lei n.º 62/2011, em virtude da conjugação do seu artigo 8.º com o artigo 4.º, não seria uma verdadeira lei interpretativa, mas uma lei inovadora com caráter retrospetivo e desfavorável, que violaria o princípio da proteção da confiança (art.º 2.º da CRP), bem como a proibição do caráter restritivo das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias [n.º 2 do artigo 18.º], tão pouco merece acolhimento. 54. Do artigo 9.º da lei n.º 62/2011 extrai-se a existência de uma normação legal genuinamente interpretativa, cuja relação de significado se integra na lei interpretada de acordo com o artigo 13.º do CC, com observância da doutrina assente sobre a natureza das normas interpretativas 55. Isto, na medida em que incidiu sobre uma situação controvertida (pautada por um divergência jurispru- dencial no TCA Sul) e, ao optar por uma das soluções interpretativas plasmadas na mesma jurisprudência, não excedeu os limites da interpretação nem criou qualquer critério de decisão inovatório que alterasse o espírito da lei antiga. 56. A pretensão das Recorrentes de retirarem conclusões favoráveis à tese que sustentam do teor do Acór- dão n.º 172/00, do Tribunal Constitucional, é desprovida de qualquer razoabilidade. Na verdade, nesse aresto o Tribunal Constitucional pronuncia-se apenas sobre a possível identidade de efeitos das leis retroativas e das leis interpretativas autênticas a propósito da expressa proibição constitucional da retroatividade das leis fiscais. Nessa medida, as conclusões a que chega não são importáveis para o caso sub iudicio , sendo que a admissibilidade de uma lei interpretativa autêntica só poderá, neste contexto, ser analisada por referência ao respeito pelo princípio da proteção da confiança. 57. Mesmo que fosse reconhecida à norma questionada eficácia retrospetiva hoc sensu , esta não seria suscetível de abalar o princípio da proteção da confiança, já que: a) A lei n.º 62/2011 não alterou substancialmente o regime dos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-lei na 176/2006, mas apenas ratificou uma das interpretações que deles defluía, precisamente a que mais se afei- çoava à sua letra e ao seu escopo como norma de transposição fiel de uma Diretiva da União Europeia, não se podendo falar em alteração e muito menos em “mutação na ordem jurídica” contida na lei nova; b) Quaisquer expectativas quanto à subsistência da interpretação que as Recorrentes extraiam das referidas normas do Decreto-lei na 176/2006, e que foi posta em causa pela solução interpretativa contrária ínsita na lei na 62/2011, não poderiam ter-se como legítimas e dignas de tutela, na medida em que: não se encontra- vam consolidadas; eram afrontadas por soluções interpretativas opostas aplicadas em juízo; contrariavam o direito europeu; não receberam por parte do Estado qualquer expectativa de manutenção; e suporiam o seu muito previsível questionamento, atentas as obrigações internacionais do Estado decorrentes da cláusula n.º 3.62 do “Memorando de Entendimento”; c) A existência de duas correntes jurisprudenciais opostas, portadoras de interpretações divergentes, reclamaria sempre, à luz da segurança jurídica do ordenamento e da própria tutela da confiança dos particulares, a adoção de uma única solução normativa a fixar mediante decisão de uniformização jurisprudencial ou por ato legislativo, pelo que, tendo ocorrido esta última solução mediante a fixação de interpretação autêntica, desaba o argumento de que o legislador teria frustrado qualquer expectativa jusfundamentalmente tutelada, apenas porque legitimamente optou pela solução interpretativa oposta àquela que a mesma sustentava; d) Tão pouco pode ser reivindicado que o Estado tenha tolerado ou alimentado as suas expectativas na continuidade da solução interpretativa defendida pelas Recorrentes, na medida em que, ao revogar o Decreto-lei n.º 72/91 que transpôs indevidamente a diretiva n.º 65/65/CE e ao eliminar a possibilidade de indeferimento de AIM com fundamento na proteção de patente, o legislador assinalou no Decreto-lei n.º 176/2006 a sua intenção de pôr em crise essa solução interpretativa; e) A solução interpretativa da lei n.º 62/2011 não implicou qualquer novidade ou qualquer mutação da ordem jurídica, e muito menos num sentido súbito ou inesperado, atentos os prévios compromissos e obrigações públicas de caráter internacional assumidos pelo Estado Português sobre a matéria.
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