TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
475 acórdão n.º 216/15 que no n.º 1 do artigo 18.º se estipula. Não será exagero afirmar que tal direito se assume, no imaginário constitu- cional, como a garantia por excelência dos outros direitos fundamentais. 30. Contrariamente ao que pretendem as Recorrentes, a Constituição não consagra, a par da tutela jurisdicio- nal efetiva, uma tutela administrativa efetiva, que conduzisse a que, “sponte sua” ou a pedido dos interessados, a Administração Pública pudesse desaplicar normas legais com fundamento na sua inconstitucionalidade por vio- lação dos direitos fundamentais. A equiparação entre esses dois tipos de tutelas não só não tem qualquer assento constitucional como constituiria, de algum modo, uma violação da ideia de separação de poderes, por atribuir à Administração Pública o exercício de competências similares às dos tribunais. 31. A Constituição delimita com clareza as tarefas dos tribunais e as da Administração Pública. Àqueles comete, entre outras, as tarefas de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (n.º 2 do artigo 202.º); a esta, a missão de prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (n.º 1 do artigo 266.º). Aceitar-se-á, pois, que uma coisa é assegurar direitos, decidindo com caráter definitivo sobre as situações em que a sua violação ou desrespeito seja apreciado; outra bem diversa é, na realização do interesse público, e em subordinação permanente ao princípio da legalidade (n.º 2 do artigo 266.º da Constituição e artigo 3.º do CPA), agir com respeito por esses direitos. 32. É certo que a prática pela Administração de atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito funda- mental envolve a nulidade desses atos [alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA]. E que tal ofensa pode decorrer da aplicação de normas legais violadoras desse direito fundamental. Mas não é seguramente irrelevante, porque contradita diretamente os pressupostos do raciocínio das Recorrentes, que a veri- ficação última dessa nulidade caiba aos tribunais administrativos, uma vez que tal facto reforça a conclusão de que a Administração Pública não é, nem pode ser, dotada de uma competência autónoma para aferir de tal violação e para, em consequência recusar, com tal fundamento, a aplicação de normas legais cuja desconformidade com a lei fundamental considerasse existir. 33. Admitir que sobre a Administração Pública recai um dever de, por aplicação do suposto direito fundamen- tal à garantia dos direitos fundamentais, desaplicar normas que repute inconstitucionais por violação de direitos, liberdades e garantias é, apenas, uma forma transviada de obter um objetivo que a Constituição interdita – a con- cessão à Administração Pública do poder de fiscalização de constitucionalidade. No fundo, o que as Recorrentes aqui postulam mais não é do que uma gritante “fraude à Constituição”, tentando atingir por esta via os resultados a que não conseguem chegar por aquela. 34. É perplexizante a ideia de que, por decorrência de um suposto direito fundamental à garantia dos direitos fundamentais, os órgãos e serviços da Administração Pública não estariam, sequer, condicionados, pelo respeito pelas atribuições e competências que lhe estão legalmente cometidos. Destarte, a salvaguarda de um direito, liber- dade e garantia far-se-ia até por via da prática de atos nulos, porque estranhos a essas atribuições [alínea b) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA], não se compreendendo depois como é que um ato nulo – e, por natureza, de nenhum efeito – poderia consubstanciar uma adequada defesa desse direito, liberdade ou garantia. 35. A discussão central dos presentes autos roda em torno, não daquilo que as Recorrentes pretendem (a abso- lutização dos direitos de propriedade industrial, que conduz à desvalorização ou, no limite, à destruição do con- teúdo de qualquer outro direito fundamental ou interesse constitucionalmente protegido que com ele se cruzasse), mas da avaliação da compatibilidade constitucional do grau de proteção do direito de propriedade industrial que decorre da aplicação conjugada das normas do EM e da Lei n.º 62/2011, de 12 de agosto (e isso independente- mente de tal proteção ser assegurada no plano administrativo ou ao nível judicial). 36. Importa, por isso, retomar a distinção essencial entre a concessão da AIM, da responsabilidade do INFAR- MED e a comercialização de medicamentos, da exclusiva responsabilidade do titular da AIM. Ora, ao conceder uma AIM, o INFARMED está apenas a afirmar que aquele concreto medicamento corresponde, certificadamente, às características químicas e farmacológicas que os seus requerentes lhe atribuem e que, em consequência, não só não haverá risco para a saúde pública, mas até consequências benéficas para os seus Sociedade de Advogados
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